TEM VEZ QUE ME NUBLO E CALO...
Vivo do que sobra dos outros viventes:
um pedaço de sombra me é muito valioso,
um céu barrado de laranja quando o sol vai
se calando na serra; um dedo de prosa, ainda...
Quando vem chuva, a água me lava é a alma:
fico leve e limpo e a parte ruim se vai correndo
no enxurro; fui escolhido desde criança para sofrer
essas sentimentalidades; tem vez que me nublo e calo...
Depois, sinto necessidade de deixar aberta a veia:
jorra um verso vermelho de dor ou branco de paz;
a vida vai se escorrendo nesse enleio entre o homem
e o poeta. E um sabiá me ajusta para os braços da vida...
Se eu não desse verso preferia uma morte seca e fria:
ainda me estilhaço em frases, doces, amargas e tortas;
ainda sei me deixar levar pelos rios da mente; concebo
um mundo doce aos olhos e saboreio com fome a escrita!