Lembrança de Algodoal

Uma selvagem voz

meio entre alternados

sussurros e ganidos

na madrugada cálida,

varre as praias e dunas

movediças e encrespa

as miúdas lagoas quietas

e de friorentas águas.

Sua mensagem me alerta:

"Cuidado com o pseudo

permanente, nada

melhor que o efêmero

momento que não volta"

E como se lesse o que

se passa em mim,

explica-me: "Eu sou

quem sou. Eu passo.

Eu duro.Eu duro e passo.

Mas fastidiosa é

essa alternância: tudo

vai, e vem já de volta,

já mutado, mas ninguém

o percebe a não ser

nos tempos porvindouros.

Mas saibas tu a resposta

verdadeira deste enigma..."

E não ouço mais nada,

aliás ouço o nada apenas

só depois mesclado

ao vento soprando suave.

Acordei no meio da noite

e olhei a vastidão de mar

e praias a se espraiarem

sem fim ou começo visíveis.

Tudo/nada ficou claro

para mim. E a música

dos minúsculos grãos

se amontoando em dunas

novas, fugindo das antigas,

me fez inteligível tudo

quanto me disse a voz.

E tu, quando a ouvirás?