SAO PAULO

Elegantérrima, desafiando a natureza,

exagerada pela própria natureza,

ostentosa em seu vestido de concreto,

costurado em aço e bordado em cimento,

usando sob a anágua, sem pudor, o metrô,

São Paulo contraditória,

meiga, agressiva, real e ilusória,

com suas bocas do lixo e do luxo,

com sua Rua Direita"torta",

com seus centros, velho e novo,

ordeira que adora rebuliços,

menina que nunca para, mesmo imóvel,

no seu intransitável trânsito louco,

exibindo suas mansões e arranha-céus,

escondendo sob a maquiagem seus cortiços,

mãe de ninguém e de todos,

que acolhe, engole e cospe um mar de gente.

São Paulo que abraça todas as raças,

deuses e religiões diferentes,

e deixa rezar pra Anchieta, Buda, San Genaro,

Nossa Senhora das Cabeças e Padre Cícero,

degustadora incansável do cafezinho,

mas adota o chá no seu principal viaduto,

no céu cinzento aviões e helicópteros se amontoam,

anfitriã da gastronomia excêntrica,

servindo do virado à paulista à sopa de crocodilo,

santa Sampa dos prazeres,

parceira dos imigrantes desambientados,

das casas nortunas congestionadas de farristas,

madrugadas infestadas de travestis, gigolôs, meliantes,

bêbedos, drogados, pedintes, meretrizes e artistas,

cidade dos ateístas, politeístas, monoteístas, capitalistas,

dos analfabetos, semianalfabetos e intelectuais,

dos virgens, das virgens e dos profissionais liberais,

e de todas as categorias profissionais,

mãe dos meus grandes amigos do peito,

cidade de todas as nacionalidades,

exibindo sem preconceito todas as mentalidades.

Teus poetas aturdidos não te entendem,

teus habitantes se entrelaçam inexplicavelmente,

numa copa do mundo nem todos torcem para o Brasil,

mas não é raro nas tuas esquinas:

chineses, árabes, japoneses, italianos, russos, nordestinos,

debatendo inflamados sobre política e economia nacional.

Sampa, mulher de todos os quereres,

abriste teu útero para o mundo,

és mais nordeste, mais norte, mais sul.

São Paulo, mulheraça maquiada de argamassa,

coração de aço mole sob teu véu de fumaça,

minha São Paulo da República, Arouche, Sé, Bixiga, Bela Vista,

minha São Paulo das  zonas leste, norte, oeste, sul,

em que a gente chega, vê, se encanta e se assusta,

leva porradas, perde, ganha, se molda, fica e vai transando,

menina sem idade e com idades, que é cheia de graça,

entrelaçando signos, sonhos, derrotas, vitórias e destinos,

a gente acaba apanhando, batendo, gostando e ficando,

e termina por ela, indubitavelmente, se apaixonando.

 

Autor Benedito Morais de Carvalho (Benê)

25 de janeiro aniversário da cidade de São Paulo.

 

Livro Achados e perdidos (páginas 52/53)

Scortecci Editora (2022)