A memória tem mãos de médico
A memória tem muitas mãos.
Umas afagam-me o cabelo,
outras tapam-me os olhos
para que não entre a luz afiada
na pele cortando caminhos
através da carne,
dilacerante.
A memória tem mãos
que tiram a febre,
auscultam a incapacidade
de voltar a repetir feridas
demasiado ferozes.
A memória tem mãos
que tapam os ouvidos
e nos deixam a salvo da voz
que anunciava
a ilha a arder,
mais não éramos
que essa ilha a arder.
Mãos que nos contagiam
com um sono acordado,
o precário sono da vida.