JORNADA
Vida afora
indo aos solavancos,
levo no rosto a impressão dos anos,
na alma as sobras dos meus planos
e na cabeça alguns cabelos brancos.
Nesse viver
aos trancos e barrancos
entre sonhos, certezas, desenganos...
vou em frente, passos firmes,
passos mancos,
ora ajudados por meus amigos francos
ou indiferente aos meus irmãos humanos.
Assim, indo
lúcido ou insano,
atravesso intempéries e calmarias,
varo noites, corro horas,
passo os dias
buscando nessas idas sofrer poucos danos
e coletando, quando posso, alegrias.
Por vezes observo,
paro, retrocedo
e depois avanço
nessa jornada que é carnaval e romaria
entre delírios, sensatez e medo,
onde gasto meu amor, minha energia
buscando o fim
onde há o descanso.
Quando só, calado,
frágil e indefeso,
sem fé no futuro e sem passado
encontro-me a cismar,
chega a mim todo peso do cansaço,
dói em mim a sensação de fracasso,
sou então como um pássaro sem espaço
e me disperso e me desfaço
como neblina no ar.
Quando, sem razão aparente,
saio a espalhar felicidade
cheio de vida, de ilusões e crente
vem-me força, calor humano, esperança,
então sou ardente como o amor surgido,
sou vitalidade de criança,
sou primavera, sou bonança
e sou como um ser nunca sofrido.
Assim, vida afora aos solavancos,
vou vivendo os dias, os sonhos,
meus planos,
permutando o amor, os desenganos
e as desventuras por cabelos brancos.
E nas veredas incertas onde passo
vou deixando um rastro impreciso e raso.
Deixo também os meus simples versos francos,
(pequenos versos sem valor e baços).
Não deixo grandes exemplos;
deixo os meus filhos e nada mais,
pois serei apenas alguém que rumo ao ocaso
um dia partiu buscando a paz.
Bragança, outubro de 1981