O SAPATEIRO.
Todo trabalhador
É digno do seu salario
Vigilante, soldador
O mas humilde operário
Em toda a circunstância
Não há maior importância
O que vale é ser ordeiro
Eu nasci nu sem sapato
Por ironia do fato
Sou hoje um sapateiro.
Sigo o tempo na bitola
Segurando um martelo
Prego taxa, boto sola
Faço bota e chinelo
Cano longo bico chato
Eu sei tudo de sapato
Seja qual for o modelo
Se de couro ou de napa
Faço dele uma capa
Que dá gosto em tê-lo.
O do homem é mas comum
O da mulher mas delicado
Eu conheço um a um
Sei onde foi fabricado
Uns são caros outros barato
Porem tudo é sapato
Que servem só para os pés
Não adianta ser rei
Porque uma coisa eu sei
Tanto faz um como dez.
Tem sapato de pelica
Que só o granfino tem
É do pé da classe rica
Bonito e calça bem
Não pisa em todo lugar
E onde ele pisar
O mas barato não pisa
Porem seu dono é o tal
Que carece de moral
Que o barato não precisa.
Sapato sem ser de couro
De qualidade mas fraca
Não chega a ser duradouro
É o mas barato na placa
É solto na promoção
E sua numeração
É toda atrapalhada
Porem o seu dono rude
É portador de virtude
E tem a vida honrada.
Eu de cá fico pensando
Que somos como sapato
Uns vivem reclamando
Porque tem o bico chato
Uns choram porque não tem
Outros que não calçam bem
Nos pés da sociedade
Outros apertam de mais
Não calçam bons ideais
E só pisam na maldade.
Outros vem onde estou
Com os sapatos furados
Que o tempo desgastou
Precisam ser concertados
Faço disso uma prova
Colocando sola nova
E costurando com jeito
Pois de trato eles precisam
E a onde eles pisam
É um lugar de respeito.
Tem madame refinada
Que é feito salto importado
É alta bem acabada
Tem brilho pra todo lado
É fina como uma dália
Mostra a sola da sandália
Com uma cor encarnada
Mas marca não faz o pé
Seu caráter é um chulé
Com a sola descolada.
Eu na minha profissão
Vi tudo que foi sapato
De serviçal, de patrão
De eleitor e candidato
Porem trago na lembrança
Que sapato de criança
Não precisa de concerto
Porque calça um inocente
Que não tem o pé da gente
Que calça todo defeito.
Tem gente que é botina
Não possuí entendimento
Tem a pisada ferina
E calo no sofrimento
Já outros são uns chinelos
Se arrastam em flagelos
Chiando no desengano
Outros são as alpercatas
Fazem das dores beatas
Peregrinam todo ano.
Sapatos de duas cores
Quero aqui ser bem franco
São como certos valores
Separam o preto do branco
Estão no mesmo sapato
Mas o branco é de fato
A cor que o boêmio gosta
Assim é a sociedade
Só calça a falsidade
Com a cor que lhe é imposta.
Tem chinelo que parti
A fivela e a correia
A borracha deu desgaste
Por se arrastar na areia
É preciso uma reforma
Dá a ele nova forma
Pra ser usado de novo
O homem com seu cutelo
Faz do poder um chinelo
Pra arrastar sobre o povo.
Quando recebo um sapato
Pra concertar seu defeito
Comparo a um ingrato
Que veio pagar o mal feito
Por está mal costurado
O couro da alma rasgado
Com o corte da ambição
Recorre ao* SAPATEIRO*
Que concerta o mundo inteiro
Com o martelo do perdão.
Nós somos todos sapatos
De modelo mas diverso
Se quebramos nosso salto
*O SAPATEIRO* do universo
Com o martelo da verdade
Prega o prego da bondade
Pois de prego ele entende
Com prego já foi pregado
Hoje o prego do pecado
É o prego que ELE desprende.
Por isso eu me orgulho
De ser só um sapateiro
Quando eu desembrulho
Um pensar traiçoeiro
Faço como no sapato
Pego o prego e bato
Na sola do coração
Colo e costuro ate,
Para eu calçar com fé
As botas da salvação.