O DIABO DE TERNO.
Daqui de onde estou
Vejo a serra imponente
Onde habita a serpente
Que pelo pó rastejou
Vejo a fogo pagou
Voando na sua sina
Vejo o galo de campina
No galho da solidão
Vejo a chã da ilusão
No colo de uma menina.
Daqui de onde estou
Vejo arreios espalhados
No chão ali desprezados
Sua serventia acabou
Vejo que tudo passou
Hoje quem passa não ver
Que está pra se remover
Esse cenário um dia
Vejo o grão da alegria
Lutando para viver.
Daqui de onde estou
Contemplo o desengano
Que sem destino o cigano
Na incerteza acampou
Vejo a mãe que lutou
Com o filho no bucho
Vejo daqui um cartucho
De uma arma malvada
Vejo a terra sem nada
Dando um fruto murcho.
Daqui de onde estou
Vejo a carniça do boi
Do boi que um dia ele foi
Mas que a peste o levou
Vejo a pedra que chorou
Pra consolar os beatos
Daqui eu vejo os retratos
Das almas dos flagelados
Daqui eu vejo os bordados
Nos espinhos dos matos.
Daqui de onde estou
Vejo um riso inocente
Vejo a dor na corrente
Com um choro que enferrujou
Vejo a língua que secou
Por lamber o lamento
Vejo uma cerca de vento
Nos arredores do fim
Vejo uma manta de brim
Nas chagas de um jumento.
Daqui de onde estou
Vejo a poeira do barro
A cinza de um cigarro
Que um matuto fumou
A vida que a morte levou
Na nicotina assassina
Vejo o feitor da usina
Com os escravos do mel
Vejo a tinta no papel
Com lei injusta e ferina.
Daqui de onde estou
Vejo a sombra estendida
Uma riqueza escondida
Na sombra que lhe ocultou
Vejo o facão que cortou
A goela do indigente
Matando a alma doente
De um corpo esturricado
Ficando assim sepultado
O sonho de tanta gente.
Daqui de onde estou
Vejo o diabo de terno
Comandando o inferno
Com a lei que ele criou
A pena do mal decretou
Farpas, pontas e ripas
Enchendo as suas pipas
Com sangue da perdição
Fazendo o pobre cristão
Vomitar as próprias tripas.