O DIABO DE TERNO.

Daqui de onde estou

Vejo a serra imponente

Onde habita a serpente

Que pelo pó rastejou

Vejo a fogo pagou

Voando na sua sina

Vejo o galo de campina

No galho da solidão

Vejo a chã da ilusão

No colo de uma menina.

Daqui de onde estou

Vejo arreios espalhados

No chão ali desprezados

Sua serventia acabou

Vejo que tudo passou

Hoje quem passa não ver

Que está pra se remover

Esse cenário um dia

Vejo o grão da alegria

Lutando para viver.

Daqui de onde estou

Contemplo o desengano

Que sem destino o cigano

Na incerteza acampou

Vejo a mãe que lutou

Com o filho no bucho

Vejo daqui um cartucho

De uma arma malvada

Vejo a terra sem nada

Dando um fruto murcho.

Daqui de onde estou

Vejo a carniça do boi

Do boi que um dia ele foi

Mas que a peste o levou

Vejo a pedra que chorou

Pra consolar os beatos

Daqui eu vejo os retratos

Das almas dos flagelados

Daqui eu vejo os bordados

Nos espinhos dos matos.

Daqui de onde estou

Vejo um riso inocente

Vejo a dor na corrente

Com um choro que enferrujou

Vejo a língua que secou

Por lamber o lamento

Vejo uma cerca de vento

Nos arredores do fim

Vejo uma manta de brim

Nas chagas de um jumento.

Daqui de onde estou

Vejo a poeira do barro

A cinza de um cigarro

Que um matuto fumou

A vida que a morte levou

Na nicotina assassina

Vejo o feitor da usina

Com os escravos do mel

Vejo a tinta no papel

Com lei injusta e ferina.

Daqui de onde estou

Vejo a sombra estendida

Uma riqueza escondida

Na sombra que lhe ocultou

Vejo o facão que cortou

A goela do indigente

Matando a alma doente

De um corpo esturricado

Ficando assim sepultado

O sonho de tanta gente.

Daqui de onde estou

Vejo o diabo de terno

Comandando o inferno

Com a lei que ele criou

A pena do mal decretou

Farpas, pontas e ripas

Enchendo as suas pipas

Com sangue da perdição

Fazendo o pobre cristão

Vomitar as próprias tripas.

Ebenézer Lopes
Enviado por Ebenézer Lopes em 12/01/2017
Código do texto: T5879754
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