ciclos

Ciclos

O que a vida nos dá,

A vida nos tira…

Não temos nada de nosso,

Nesse corpo, talvez na alma,

Tudo é empréstimo…

Alguns se resolvem

Armando guerras insanas,

Outros pregando borboletas

Em vidros expostos

Nas paredes de suas salas,

Cabeças de alces, bustos

De heróis… Todos mortos

Nessas trincheiras malfadadas.

O que a vida nos dá,

Além de nadas?

A visão de cada ponto difere

Do outro ponto armado longe.

Para um boêmio o prêmio

É a madrugada… Para um pastor

O prêmio é a alvorada…

Para o pescador, para o laçador,

Para o desembargador…

A dor… A dor da jornada…

O equilíbrio entre manhãs frias

Em mar aberto, desértico,

A pastaria onde se perde a cria

Ou as manhãs condicionadas

Em salas ultra fechadas…

Qual a sua solução ao nada?

Ainda é cedo para finar-se,

Para iniciar-se talvez seja tarde…

O viajor prepara a mala,

Promessa de aventura rara…

O colecionador encontra a gralha

Azul de sua forma inesperada…

Talvez o canto da arara

Seja o dia da redenção…

Talvez o grunhir do bugio

Em plena mata, ou o trem

Em plena cidade fechada…

O que a vida nos dá

A vida leva por enxurrada…

O sangue deixado correr

Ao pé da enxada

É o mesmo da luta armada?

O boi não guerreia mas perde

Sua batalha… O cão apanha,

O menino apanha, o velho apanha…

Quem é o dono da chibata?

A trilha que nos leva adiante

Informa que a fauna errante

Fará do trecho a conclusão usitada:

- tu tens tudo, na tua escolha,

Na recolha vertes ao nada.

Nesse tabuleiro das damas

O astuto tem sua cartada,

O sortudo sua chance vitoriosa

Urdindo peças à sua jogada

Sem a noção, com a mágica

Da sorte escalonada…

De onde verte essa água santa,

Que expõe ideias a talentos,

E faz-se vencedora ao alento

Da fé na mágica?

Nesse tabuleiro as damas

São corriqueiramente usadas,

Queira sobre a mesa posta,

Queira sobre a cama

Desarrumada…

No que a vida nos deu

Sobrou a tarde suarenta

Para a próxima jogada…

A que contrapõe ao sermão

O sermão da igreja, ao sermão

Do ateu convicto da razão.

Ao servir-se o vinho e o queijo

Não há diferença entre eles,

Apenas a mão ao sinal da cruz

E a outra mão jogando as cartas,

Quem se ilude com essa luz,

O patriarca?

Não esqueçamos os soldados mortos

Nessas batalhas ao fazer de conta

Que, surdos, deixamos de ouvir tiros

A nós fadados a perder-se o rumo.

Não esqueçamos que a arma

Agora por eles, soldados, empunhada,

Tem a obscura meta à cabeça errada.

As joias roubadas, corações magoados,

Tudo se julga no mesmo prelo

Desses valores desmaterializados

Em formas sutis de erros

Pela quantia de moeda em cada saco

Aqui mostrado ao magistrado

Cônscio da própria necessidade.

Convenhamos: a vida não nos deu

O que quer de volta no correr

De nossos suores e nossas lágrimas…

Apenas nos emprestou as valas,

As malas, o conteúdo delas,

Seja de roupas ou jararacas…

As valas e as malas vêm cobertas,

Desvendemos o mistério

Entre as nossas sortes e mortes

Na bruta escala.

A ideia de posses é ideia vazia,

Entre as alegrias e alegorias

Há um mistério a ser desvelado

De nosso futuro em nosso passado.

O mal hábito dos cretinos e das hienas

É rir falsamente em cada grunhido,

As fomes se alastram à revelia

Dos condutores dessa manada…

Empresários se iludem com o mando,

Empregados se iludem ser mandados,

Enfim, todos temos a mesma sina,

Somos alvejados pela mesma flecha

Induzida a ferir salvados…

E nada difere entre essas pessoas,

Brancas, negras, amarelas

ou avermelhadas pelo intenso turno

Das trincheiras fabricadas.

Pessoas que mandam em pessoas,

Porque essa é a lei constituída.

Pessoas com amplas janelas abertas

E pessoas com as janelas fechadas,

E até pessoas sem janelas…

Porque essa é a lei constituída.

Gentes correndo em suas rezas,

Gentes bebendo nas calçadas,

Se prostituindo de outras formas

Porque essa é a lei constituída.

Pessoas que têm tudo e não têm nada

Porque não há lei constituída

Para nossa extensa caminhada.

Alguns vieram dos longes,

Outros desistiram nos longes

Apenas respirando o ar de graça

Entre monges… As cobertas

Encobrem cabeças envergonhadas…

A malícia encobre consciências

Desavergonhadas

E partimos para nossas verdades,

A verdade de cada um

A cada mentira aceitada.

O que fere sua ferida,

Senão a visão do outro?

- Seu desconforto.

Uma dieta alonga a vida…

Para que? Para quem?

A corrida ao ouro a corrida ao nada

Que faz-se ritmo nas madrugadas…

Nessas manhãs preguiçosas a corrida

Leva ao próximo descarte,

O infarto equivocando o fraco…

A noção do risco, o risco da noção

De tardos na alienação lucrada

Pelo tempo vida….

Conclusão:

A vida nos tira o que não nos deu,

De empréstimo a juros caros

A cada parada.

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sergio donadio
Enviado por sergio donadio em 27/12/2016
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