A ORQUÍDEA NEGRA E O POETA
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No selvático convento
De tantas lembranças caras,
Há no claustro do momento
Rezas, cilícios e taras.
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Cada conta de rosário
É flor no canto esquecida
De suspirante orquidário
Em cela desguarnecida.
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Mãos saudosas por venturas,
Por desejo e castidade,
Tecem rugas, amarguras
Dos soluços de um abade.
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Orquídeas brancas, coitadas,
Sem a luz de extrema-unção,
Têm folhas estraçalhadas 
Pelo vento da ilusão.
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Ávidas pelo deus Eros,
As orquídeas amarelas
Quedam no chão por Anteros
Quais lágrimas caem das velas.
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Tantas orquídeas vermelhas,
Por paixões ruborizadas,
Jazem no colo das telhas
Em casas abandonadas.
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...Choram orquídeas azuis,
Com estigma, entreabertas...
Dentro de anteras viris
Ficam políneas cobertas.
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No claustro dormem orquídeas,
Roxas de paz e mistério...
Olham insones perfídias
Nas covas do eremitério.
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Róseas orquídeas sensatas,
Dantes silentes vestais,
Ornam, noturnas, cordatas,
Os rústicos castiçais.
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As Ninfas cariciosas
Nos olhos e nos olfatos,
Sugam orquídeas formosas
Em paladares e tatos.
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Híbridas espécies, cores
Destas orquídeas lendárias...
Todas fumegam odores
Em mãos nobres, proletárias.
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Hábitos de jovens freiras
Nas mãos de homens, compadres,
Cheiram orquídeas faceiras
Entre as batinas dos padres.
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Há pendentes nos rosários
Das viúvas suspirantes
Báculos, gestas, vigários
Das orquídeas elegantes:
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Nas carnes de tantas flores
Há turíbulos eretos;
São corais de predadores,
Vivos ou ressurrectos.
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Ricas orquídeas fanadas
Em procissão de culpados!
Hóstias mudas degustadas
Pela vastidão dos prados.
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Nos jardins desses mosteiros
De muros impenetráveis,
As orquídeas nos outeiros
Cantam salmos perturbáveis.
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... Dos campos em desatinos,
Onde virgens foram flores,
Ouvem-se gritos e sinos
No quarto dos confessores...
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Choram sinos, choram salmos,
Rósea orquídea também chora;
Na cela dos uivos calmos,
De rastros, o padre implora:
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...“Úmidos e quentes climas
De sumíssimos templários...
Útero sacro de rimas
Em secretos campanários...
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Quantas formas e tamanhos
Têm as glandes dos meus versos!?...
Quantos segredos estranhos
Em pescadores conversos”!...
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O padre dramatizado,
Em súplica tão pungente,
Ouve carinhoso brado
De voz clara, muito ardente:
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“Nos troncos, pedras, nas Minas
Nasço, cresço nos afagos
Dessas águas-oficinas
De pântanos, rios e lagos...
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Subterrâneas, saprófitas,
Outras terrestres e belas,
As rupícolas, epífitas:
Únicas cada uma delas.
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Mãos exóticas, humanas,
Tiram-me do lar natural...
Com vasos, jardins e manhas
Torno-me enfeite frugal.
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Mesmo cara, desejada,
Fico em cárceres, restrita;
Com dinheiro sou comprada
Por gente estranha, esquisita.
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Sou joia da Mãe Natureza;
Mas, por orgulho ou deleite,
Ferem meus dons com frieza,
Fazem-me de mero enfeite.
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Castelos, mansões e festas,
Cantos, recantos, museus...
Sou coisa para os estetas,
Crentes, artistas, ateus.
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Em linha de produção,
Sou peça de experimentos;
Marca de fútil paixão
Com seus fugazes tormentos.
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Não me tenhas por ingrata.
Sou benquista, reconheço.
Dão-me mimo diplomata,
Cercam-me luxos, apreço.
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Por mágoas surdas, tu choras      
No claustro dos teus enganos;
Vê mais além as auroras!
Sai dos efeitos insanos”!
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...O padre com gesto infante,
Ergue seus olhos molhados...
Com gesto trêmulo, errante
Vê seus medos conturbados.
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Uma flor jaz luminosa
No teto da cela escura:
A negra orquídea formosa
Move-se de grande altura.
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Toda luz, todo calor,
Na negra orquídea sorvidos,
Formam clima adubador
De suspiros incontidos.
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Linguas ardentes, conjuntas,
Nos corpos prenhes de afetos,
Abrem as covas defuntas...
Tons e sons brotam dos tetos...
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Move-se braço indolor
Nas plagas da terra quieta;
No húmus fecundador,
O padre gera o poeta.
 
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Poema originalmente publicado no e-book “Orquídea Selvagem”. Obra organizada por Márcio Marcelo do Nascimento Sena, de autores diversos, e publicada pelo Grupo Editorial Beco dos Poetas e Escritores Ltda, São Paulo, 2016; p. 44-51.
 
Carlos Fernandes
Enviado por Carlos Fernandes em 09/12/2016
Código do texto: T5848500
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