AVE AERONAVE
AVE AERONAVE
a vida tem disso
brechas
uns trechos em branco
um branco sem papel
onde as letras se vestem
de branco
e voam
por sobre as sombras
fio a fio
na vida por um fio
arrastada
no vento
respingada de dor
em cada olho
de quem não voou
súbita névoa
branca névoa
nada se move
nem mais sonhos
nem mais calendários
lendários dias
vindouros
desvividos
a vida tem disso
pausa
a mortandade das horas
sem sequências
a desimaginação do amanhã
parada na garganta
feito maçã
envenenada
não há beijo
que desencante o trágico
instante
não há mais o desejo
que deixou
no chão
tanto
grito quieto
e a fome indigesta
do que seria
o banquete
a festa
Mírian Cerqueira Leite