Véspera de aniversário

é preciso que eu saia de meus lençóis

e vá para a friagem dos ventos alheios a meu corpo

quente.

é preciso que eu me resfrie lá fora

e tome em meu rosto, poeira

para nunca mais

perder meu pai

perder minha mãe

e as bênçãos que eles me dão.

é preciso que eu fure os dois olhos,

é preciso que me cortem a língua

para que eu continue

viva.

eu espero que me perdoem por não saber

encenar alegremente

esta peça.

hoje decidi que estarei sempre disposta

a abrir as grades que me mantêm presa

ao que não posso estar atida.

hoje decidi que por toda minha vida

darei gargalhadas

após cada choro vão

e começo a me preocupar porque acho

que perderei o drama de minha existência:

serão muitas gargalhadas, então.

muito em breve farei vinte e um anos

e o que sou?

não passo de uma criança

aquela mesma criança

que, por timidez, se calou durante as dúvidas na aula

e em casa aprendeu sozinha tudo que podia sugar dos livros.

muito em breve serão mais de vinte novembros de vida

e o que eu sou?

esse escorpião que mete em seu corpo exoesquelético

o próprio ferrão,

que abdica da vida

por orgulho,

por querer controlar

fluxos inconcebíveis

em si.

Taíse Dourado
Enviado por Taíse Dourado em 28/11/2016
Código do texto: T5837245
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