Não há lágrimas nas flores

não há lágrimas nas flores

nem na manhã erguida em mistérios

manhã que não me pertence

há somente o orvalho

estremecido pela canção que a brisa entoa

entre os soluços dos sóis

há a insônia do silêncio

que já faz parte de mim

e da face da minha pergunta

pejada de sombras e bronze

de séculos e eternidade

lá fora o vento, em fuga,

apaga a bruma que o sol

dispersa desnudando o dia

enternecendo o momento,

secando o orvalho

na face das flores,

tecendo ausências

no longo percurso que a noite urdiu

até se dissolver na manhã lilás,

calada,

ternamente abandonada

por entre o perfume e as cores das flores

que trouxeram o dia

talhado em vapores azuis

como a neblina erguendo-se do mar

infiltrando-se parcimoniosamente pelas janelas

e pela distância que esquece a meiguice

e traz nos braços estendido

o tempo pretérito

e as gotas do sonho intenso que perpassa a minha solidão

fecho os olhos

e o sol é apenas um borrão flamejante e quente

arde o fogo do sol

na minha face de nácar

como o primeiro dia revelando o Universo

como o perfume do teu corpo ainda ardendo em mim

enquanto as folhas, caindo, roçam em mim

como as tuas carícias debruçavam-se sobre mim

como se a vida fosse apenas uma pausa

entre dois sonhos

e o nascer um despertar

dentro de um instante finito,

etéreo,

hierático,

ilusório labirinto

onde os ventos passeiam nos desertos da minha alma

e onde a minha alma é essência

a vida...?

a vida é esta eterna ausência

ausência de caminhos engolidos pelos ecos,

assim calados,

assim desmemoriados,

sem falar de ti

ausência e vertigem roubada de mim