O entardecer
O entardecer
Sutil, a tarde se vai...
E todos os dias se vai sutilmente...
Por mais que eu não queira, a tarde se vai.
Por mais que eu queira, a tarde se vai.
O que adianta eu querer, ou não, certas coisas?
Por isso, não quero nada...
Quero que as coisas aconteçam...
I
Todos os dias, passo pela mesma rua,
Quando a tarde se vai...
E ela se vai, todos os dias,
Quando passo por aquela mesma rua.
Não sei se sou pontual
Ou se a tarde se vai, pontualmente...
II
Os postes se iluminam,
Os letreiros se acendem,
Os comerciantes fecham as lojas,
As meretrizes saem às ruas...
Como se o cair da tarde
Fosse o relógio de se marcar a hora
Para se fazer certas coisas...
III
Aumenta-se, pontualmente, a frequência nos bares,
O refrigerante deixa de ser o preferido,
Para dar lugar à cerveja, ao conhaque, à cachaça,
Como se fosse necessário beber, ao cair da tarde.
IV
Se eu pudesse ser um dia,
Manha, tarde, ou noite,
Só manhã eu não seria,
Porque gosto de acordar tarde...
V
Portanto é preciso saber que eu, como pessoa,
Posso ser manhã,
Quando acordo cedo, para participar dela...
Porque eu, participando dela,
Torno-me parte dela.
Deve ser gostosa essa sensação de sentir-se manhã
E eu vou aproveitar amanhã,
Para sentir essa sensação...
VI
"Por mim, passou uma pessoa.
Intimidou-me, o seu olhar.
Pensei que ela fosse parar, mas foi-se,
Pra nunca mais me encontrar (quem sabe)?
Se todas as tardes eu passo aqui
E ela passasse também,
Quem sabe a gente encontrasse
Um modo de se encontrar também"...
VII
E as tardes passam,
Como passam as pessoas.
Só que as tardes eu tenho sempre,
Sempre à tarde. As pessoas, dificilmente...
VIII
Não sei porque é tão difícil,
Se as pessoas são tantas
E a tarde é uma só...
E agora nesse poema
Que eu escrevo da tarde,
A tarde se foi querendo.
E eu querendo a tarde.
Tony Bahi@.
Do Livro - "Pássaros" - 1975