Caminhada
"Caminhar é bom", disse o médico
"É preciso exercitar".
Ah, doutor, o senhor não sabe
Quanto ando em meu estudar.
Vejo Cabral chegando ao Brasil
e José de Anchieta
adorando a hóstia sagrada
Na terra de Vera Cruz onde o índio era piada.
E Gregório, que nos Matos
não se esconde e jamais
Guerra faz peca insulta lisonjeia
e depois a Deus pede... paz.
Enquanto isso, Vieira defende
os jesuítas e a grande pátria lusitana
Ah, sábio padre! Por que pedes proteção
A estes hijos de putana?
Caminho pelas ruas de Ouro Preto
Vila Rica dos inconfidentes
Vejo Cláudio Manuel denunciar
Também Gonzaga e morrer Tiradentes.
Gonçalves Dias tece os "Primeiros Cantos"
Enquanto Macedo exalta "A Moreninha"
Alencar com seus Ubirajara e Iracema
E Machado criando suas Capitu e Helena.
Pombinha voa a Leonie, entregando-lhe a alma
Perdida, sombria pela ingratidão
dos homens que escarram nas bocas amorosas
ou daqueles que sonharam nossa pátria grandiosa.
Ouço também o silêncio das tardes musicais
com seus odores misteriosos, que vagam
pelos vasos gregos de um homem chim
ou até mesmo a via láctea se tornar brim.
Quantas vaias vêm até Lobos que Vilas não construiu
mas se tornou nosso grande musicista!
Eis que os sapos em sua grita pedem parem
não critiquem nossa veia de artista!
O Nordeste dilacerado pela seca e pela fome
Ai Raquel Graciliano! Quantos homens não comem
nesse Brasil de ilusão! Não se pode mais
fechar os olhos ou ter paz
Assolam o mundo Hitler Mussolini
enquanto Vargas nos solapa
Mundo, mundo vasto mundo
Mais vasto é o meu coração!
Nada grandioso pequenezas sutilezas do dia a dia
eis que vejo bandeiras tremulando
doce Cecília cantando e Vinícius a(r)mando
a vida que se perdia.
Vejo economia verbal
poema muro de concreto
processo lento marginal
contemporâneo
Vejo a liberdade fluindo nas veias
e as barreiras devagarmente
se derrubando
não há mais fronteiras
mundo conectado entre si
poesia biocantaconexora
doce metalinguagem
teoriadarecepção
Caminho pelos séculos
e me encontro num senão.
E ainda ando pouco?