FOME

Os pratos estão limpos

Sobre a mesa posta.

A solidão comeu tudo

Lambeu das migalhas aos ossos.

Os pratos são nuvens de porcelana branca

Num céu de triste marfim decadente

De alianças-sóis de pouco brilho

Abandonadas no vazio, sem firmamento.

Os talheres deixaram sua função de servir

Para repousarem frios, estrelas opacas.

Taças, xícaras e copos bebem da nostalgia

Do tempo líquido feliz já passado.

O forro da mesa em memória solene

Sangra suas velhas manchas de ex-felicidade.

Lá fora silenciaram os pássaros, o vento e as flores.

Dentro, ratos de humor negro riem da minha desventura

Roendo os restos do meu coração duro, pão amanhecido.

Através da janela vejo a chegada daquela que serei alimento.

Não haverá mais lanches, almoços ou jantares.

Reina soberana a fome de indeterminada saciedade.