Poética
I
A palavra não dita que teima em existir
No coração dos loucos.
O pôr-do-sol sonhado, jamais vivido.
O grito insano de quem tem tudo a dizer.
O silêncio de quem sabe que tudo é nada.
A vida, com o véu rasgado, correndo nua
Pelas ruas de uma grande cidade:
O existir.
II
Não me atraem os acrobatas do verbo
Com a fórmula perfeita para um poema bom.
A eles, prefiro a mediocridade lírica
Dos que não tem nada a dizer.
O comentário sobre a tragédia cotidiana.
III
“Tenho meu dever,
e o orgulho de o pôr de lado,
Como tantos outros.”
RIMBAUD
Poesia fugaz, eterna.
A cor das vogais...
Os ais.
Uma vida valendo a pena.
Os universos: infernos
Líricos, lúcidos.
Embriaguez do moderno:
Tempos caducos.
Ciências: religiões.
Ciências: paixões.
Ciências, tendências,
Razões...
Tênue luz: o sol.
Deus, brincando, poeta.
Deus brincando Rimbaud.
IV
“A tragédia em cena já não me basta.
Quero transportá-la para minha vida."
ARTAUD
“A arte”, dizia o professor,
“É o constante aprimoramento
Do olhar sobre o belo.
A arte burguesa é
A cristalização que encarcera esse olhar.”
Com a poesia, aprendo a não ter medo:
Não é preciso ver.
Os poetas não têm olhos,
Contemplam o mundo audível,
Sentem o real com a palma das mãos.
Com a poesia, aprendo que ela não deve conter-se,
Deve explodir em todas as possíveis impossibilidades
Da linguagem, ou não será poesia: morrerá.
Com a poesia, aprendo o não trivial, o não humano.
O demasiado humano.
Aprendo o amor e o desamor.
Com a poesia, aprendo a não ser um só.
Aprendo a morte do ego, o egoísmo:
A solidão.
Com a poesia, aprendo a liberdade:
Que despedaça e identifica, que cria e destrói,
Que é doce e amarga.
Com a poesia, aprendo a morte:
Justificativa máxima para tudo,
Eterna possibilidade distante.
Com a poesia, aprendo o poema:
Objeto raro, lição complexa;
Aprendo Rimbaud, aprendo Artaud.
V
À noite,
Todos os gatos são pardos,
Todas as mulheres são doces
E todos os poetas são Poe.
VI
"La desce a Noite
Onde se pressente
Um longo destino de sangue"
APOLLINAIRE
A Poesia concreta sempre intrigou-me:
Um poema é tão abstrato quanto um círculo,
Tão imaterial quanto uma alma.
A poesia concreta da alma às formas,
Da Luz à alma.
Concretiza-se no efêmero.
Não morre.
Imortal, não endurece.
Continua poesia:
Tênue gozo humano.