ANGELUS PRIMUS

“Ein jeder Engel ist schrecklich”

RILKE

Quando – pergunto – ruiu a escada que

Outrora levou meus lamentos a Deus?

Quando rompeu-se a barreira do silêncio que impus

A mim mesmo e ao mundo? Eu, que só andei

Em busca da dor – por que eu, Sônia? –

E procurei, passo a passo, cândido, esquecer

O que fui: contínuo de um universo falido.

Teu suspiro, diáfano, chega aos tempos primeiros.

Longe, mil línguas de fogo me roçam a pele.

Logo estarás ao meu lado; logo, ainda hoje.

E os que não acreditaram serão perdoados,

Pois retorna ao lar o mau filho, Sônia.

O Dilúvio de suas misérias fecundou a terra:

Está prenha, de amor e desgraça.

A ti, degradada filha de Eva, cabe cuidar-nos!

Consola-te: teu corpo é o campo de batalha.

Tua boca abençoa os homens.

Descansa – ó anjo!

Amanhã dormirás nos braços de Dele.