MÁGOA CANTADA

Cantava, cantava, sofria e chorava.

Eu, de longe, pesarosa, observava

Ouvindo aquela voz funda e perdida.

Pela cantilena, já compelida

andei, devagar, e me aproximando,

enxerguei a cena sonora, bem quando

Atrás das seis cordas se contorcia,

Triste corpo de homem em melodia.

Esconder-se, pareceu-me, queria,

imaginei que a dor atroz seria

tamanha agrura, espasmo, inquietação

De corpo, voz e alma, malinculia

Judiada, convulsionada aflição.

Era dolorido lamento, a orar

Ouvi, vi, pressenti ao me aproximar.

Custosa ciência crescente, já eu tinha,

de soar-me perfeita prece em ladainha,

a mágoa cantada da Sementinha.

A música tão triste, então, me vinha

Indicando a morte, a perda da amada.

Precoce ida, em tumba repousada,

Armadilha encontrada antes do idílio,

Obrigou-os, assim a cruel, da união, o exílio.

Acabou-se a almejada primavera,

pura sina, a verdadeira algoz dela.

Do amor sob a paineira, secou a roseira,

Atrapalhou-se e findou o madrigal,

Escorre única vela em castiçal.

Fiquei a uns passos, senti arrepio nos braços,

Alma sofrida no alvo me atingira,

Eu repartida, em porções por boa mira,

Feito ponta fina de longo espeto,

Ele emociona tal qual o assum preto.

Daqui aos gerais, difere dos demais,

Cantar tão triste, igual não há, jamais.

A cantoria comovente, dolente,

Sangrou, entrou-me n’alma feito prego,

entristeceu-me a voz do cantor cego.

Dalva Molina Mansano
Enviado por Dalva Molina Mansano em 20/09/2016
Código do texto: T5766782
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