Final de outono

final de outono

final de tarde de outono

as tardes são estes afetos irredutíveis de poesia

que podes ver por entre a pétala e o orvalho

mudos

silenciosos

insofismáveis

são o inefável momento onde os rios e os mares se encontram lentamente

e o azul do céu tinge a saudade

e a chuva cai dos meus olhos

ao longe o pássaro canta em algum jardim

à fogueira do sol

às folhas amareladas

e ao inextinguível outono impregnado de transparências

dorme nos mares o vento

e teu nome

úmida ausência

esquecimento

sombra de um passado

e de uma canção insinuada pela memória

pela noite falaz

pelas tardes de intermináveis vermelhos e violetas

de aromas de jasmins levados pela brisa

e pelos suaves passos dos teus pés em meu corpo,

em minha alma

e no nume que a alimenta

os ventos derrubam as folhas que balançam no ar dourado

esbatido pelas sombras dos galhos vergados pela espera dos séculos

e pelas palavras que agonizam escondidas nos gestos

e na fragrância fugaz da lembrança do teu corpo

o ar se enche de cegos sussurros

tépidos segredos

nada aconteceu

o amor foi tão frágil

tão frágil como pode ser frágil o carinho desolado

como uma efêmera tarde

onde rosas brancas florescem por te recordar

quando tu te fostes andei caminhos incertos

vi teus olhos negros em cada céu que emoldurou as noites

ouvi teu riso

tão diferente das minhas emoções

que nestes dias de outono esperam

as cores plasmarem flores nos jardins

o vôo do pássaro despertando a praia

e a solidão sem destino

e tudo não foi mais que um amor sem nome

escrito todos os dias

pela ternura dos dedos afogados em teus cabelos

pela essência dos sentidos

pelo soluço que ficou

sem explicação na poesia

e tudo vivi como o menino sozinho

que ama o outono e seus sortilégios

e seus soluços evolados nos sonhos

ama

ama a noite e o bálsamo destas noites

silenciosas e frias

onde a minha alma ainda acaricia a liberdade dos versos

que ouço

sem princípio e sem fim

nas antigas vozes

que por entre as brumas

falam de amores

e cantam

como cantam os rios

como cantam as folhas que o vento derruba no rio

e levam consigo cores de um dia resvalante

suave

amo a noite

em cujas margens em sonho me deito

e me imolo com o punhal azul do teu nome

e recito a dor do punhal azul do teu nome

como quem diz para o mar

das terras perdidas

e dos antigos poemas riscados

letra após letra no abandono das noites passadas

e nas estrelas imaginárias

onde a dor tinha morrido

enquanto na madrugada já se ouvia

o amanhecer por trás da neblina de outono

e o som das folhas secas que suavemente

enchiam o ar de nostalgia

e de manhãs com cheiro de terra recém molhada

pelo orvalho que os anjos espargiam

no mistério

nas palavras

e nas pétalas entreabertas

dos poemas