P R E C I O S I D A D E S (41)

O CAOS OU RESTOS, TREMORES, IRAS

Quem está vivo ? À queima-roupa

perguntam: quem vive ?

Um único lenço nos despede de todos.

O eco já se instala e se dissolve

em poeira o ar, em densidade

a chama, em revolução a espera.

O que se responde ? Somente o suplício

na praça se instalou

e da tarde aponta

uma aurora de tiros. A luz lenta

desagrega seus ternos clarões.

Só está vivo um cão morto

e mais além de seus latidos,

mais aquém das vozes cortesãs

e do trigo que nasce em pães sem aroma,

um povo vem

de um terrível estuário de silêncios.

E se incorpora. E golpeia. E responde

à pergunta afirmando-se no ódio.

Só um cão morto está vivo ? A verdade

é que fedem a ordem de impureza

e o general condecorado, fede

a pátria e a pistola fede,

fedem os sangues e as botas fedem:

fedor a mão e mais fedor a pena

que apenas se atreve

a descrever pavores. Fedem

os tanques e as bombas fedem.

É um fedor este fogo de bengala que baixa

para iluminar a vítima e seu suplício.

É um fedor o grito,

e é um fedor o crime

e é um fedor a morte

o que se sente a ver

o pleito de cadáveres famintos

em busca, sim, de fiapos

e de ossos e que ainda maceram

os restos de gemidos ternos.

E as balas ao rés da terra vagam

em busca de mulheres para alojar

na praça a gangrena.

Não se entende o que acontece, o que

se passa, quem grita, quem dispara,

quem vive. Já o silêncio se instala

como um fundo poço moribundo

que se abrisse desde a garganta.

E se apalpa uma ferida. E se sente

um tremor. A praça

é um lamaçal, a lâmpada emudece.