Shit faced

Meu amor é discreto!

Fino como poeira,

ele se deita sobre os móveis

e se apega a quem lhe toque -

levando das superfícies

o pó da essência de mim.

A atmosfera de agitação

põe o sentimento contra a luz.

Às vezes, meu amor pode ser visto

pairando, desassossegado, contra

os feixes de amarelos que entram pela janela.

Mas quando anoitece

o amor se recolhe em aparência, porém,

continuando em vigília.

Meu amor vela a morte prematura

do que quisera se constituir

Meu amor esvai-se com as mortes sucessivas,

morre na ausência da brasa dos olhos,

nos pelos não mais eriçados,

na boca e palavras secas:

desertificado.

Meu amor, a que muitos já chamaram abandono,

é um deserto sempre em formação,

crescendo para fora de meus limites,

da morada que é,

essa que faço,

opacidade na janela por que entrara luz...

Esses pequenos cristais vítreos

que vão caindo

de Nós,

que não existiu, e

Nós

que não desatamos.

Amor,

meu fim, sem epílogo

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Isso que quero dizer

não tem predecessor na própria gramática de deus

Eu, anjo caído,

tenho por natureza tropeçar

Quando cantei das pedras do caminho

foi aquele o salmo de tudo o que sei

O que quero dizer,

a alegoria do que quisera realmente expressar,

é uma carruagem de fogo

não levando-me santo,

mas consumindo-me pagão

A mim, a quem deus abandonou,

não escolhi por rancor,

pois sei que fui forjado.

Feito de pó,

desfeito.

Feito luz, apagado.

Estando a direita dele,

e agora no submundo.

O que quero dizer, que é o que se diria da alegoria do que quero dizer, é o que

escrevo nas paredes.

Escrevo

quando cortam-me os dedos esta arma de papel

e escorre o vermelho da pontas.

Vermelho bonito, férreo de olfato e paladar,

cobre as cercas desta minha carta

dirigida a mim mesmo.

Pois que me leem apenas ele, que me comandou fora,

e eu,

pretensão da matérias que sofre,

mas não cala

Tenho hoje a gramática do homem,

um sistema que não me acomoda,

sentimento que não se traduz

Então, emolo um poema,

pois,

disso tudo,

o que não passará

é em branco!

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Anomalia

É a maneira como crescem em mim

estas coisas a que não sei dar nome

Encarando o nada

vai brotando a excrescência

Coisa tão feia quanto a palavra

que a descreve aqui

Isso tudo à frente de mim

Não é nada que me complete

É dupla negação

Existindo

porque dei-lhe aval, mas não dou sorte e

aumentando sempre

o que então tornou-se imperativo:

o embate

Esmurrando as pontas das armas persigo

Um persistir sem prêmio

Essa coisa estranha que é respirar profundo

e ver deixar-lhe o ar aos pulmões

sem que seja o último fôlego

ou um único

Um pouco de descanso: o que preciso

sem nome ainda

mas com um pouco menos de horror

(a angústia é a mesma)

Repouso,

Momento em que digo não ao meu medo

Que lhe encaro com maior ardil, porquanto

ele sempre saiba -

e por isso feneça por um momento –

meu fim é

poesia.

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O céu que não alcanço

a cor pálida deste infinito cósmico

roubando-me a capacidade térmica,

de pensar,

todo meu estado de natureza

é uma tarde anoitecida

em que balanço juntamente com a folhas,

sem fronteiras

O frio que antes me atravessara

tornado então eu mesmo

Inanimada, plantada, a árvore de tantos anos

era eu

Sem começo, nem fim

Sem alegria, nem tristeza

Soube de tudo,

de deus e do diabo,

da morte ao amor,

de que nada é oposto

que sou segundo, de tempo

Sou minha mãe, sem dia dedicado,

meu pai, meu pior inimigo,

a paixão que nunca curei, e que não doía, então,

tempo, matéria, imatéria,

a dimensão que não cabe em minha gramática,

na linguagem,

nem no som

É dom: unidade!

Quando penso em que seja segunda-feira,

como as coisas poderão fazer sentido de novo?

como não ser tudo e nada?,

saber tudo e nada?,

e ainda ser meu eu mais ordinário

em relação aos não-indivíduos

tais como eu.

Perfeito, como o descobri hoje,

é tudo o que somos eu e a tarde

Eu porque tenho uma reentranciazinha no dente da frente,

ela porque tem o tom somente meu,

uma temperatura que nós partilhamos

e a onda original de minha cosmogonia.

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Meu sonho é com um mar que não vi,

uma conquista de outros, da qual apenas ouço

As pessoas à beira da praia roubam a imensidão do oceano

Aquela foto antiga, poética, de uma mulher

amamentando registra:

o tempo é ido

Percorrendo a estrada de terra, no passageiro,

chove muito

Some o sol, o calor, e o que se tem é medo,

responsabilidade, abandono e enchente

As águas descem fortes de encontro ao mar,

que não vejo

Não vejo o mar, não sei.

Então me sujeito, não sujeito de mim,

é uma entrega da minha falta de controle.

O universo diz não, a chuva diz não,

o carro estacionado diz não,

as pessoas, que não ligam dizem não.

O não é um ano novo, é não ver o mar.

Fico pensando que matar a vontade é uma expressão tão boba...

Minha vontade morreu e ressuscitou, pois sem querer

a quis assim

Mas o sonho desvela: não.

Isso tudo é uma coisa poderosa, o sem-sentido das sextas-feiras à noite,

a garrafa de cerveja na beirada do sofá,

este meu sono em frente a TV.

Sábado e domingo se apertam contra a gente

Final de semana é uma invenção para o descanso físico,

para os ingênuos

Minha mente não para de trabalhar,

nunca descansei,

nunca vi o mar como queria vê-lo

e o mais que sinto é uma certeza sólida,

é pesada a certeza que sinto, e

sentindo-a as águas vão sempre recedendo de mim

Assim, não há palavras, nem figuras de linguagem

e toda minha virgulação,

meu interrompimento poético

é porque minha matéria é tropeçada

topografia profunda, inabitável.

Sei que fui mar antes de tornar-me rocha,

por isso esta erosão

Hoje: NÃO.

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Tenho sono, mas não durmo.

Permaneço em vigília com todos os meus fantasmas me acercando.

São noites de abuso sútil.

Às vezes, quando acordo, de manhã mesmo,

sinto o prenúncio daquilo que no dia

me acompanhará e crescerá.

Começa lambendo-me a nuca.

Por trás de mim, o passado me assedia,

me determina,

aperta-me os olhos como a fazer-lhes nascentes -

olhos d’agua,

coisa física que o poltergeist pôs em mim.

Vai se achegando a tarde e os outros imateriais vão surgindo...

De palavra em palavra,

de olhares que não sei,

do lugar que conheço, em que estive:

a inexistência.

Achegam-se os espectros e vão passando-me a mão.

Sem consentimento,

vão tomando-me o corpo.

Emurchecem-me o sexo, pois que são dados as oposições.

Coisa de seu feitio é que cerrem-me a boca.

Calam-me os dentes, que minha possibilidade de sorriso

é uma morte anunciada.

Ao chegar em casa deitam-me na cama,

usurpam-me o valor.

Olho inerte para o teto no quarto escuro,

que é quando sei do universo, de mim,

do que é infinitamente grande,

e, também, do infinitesimalmente pequeno.

Enquanto tenho os fantasmas, olhos cansados,

e uma certeza instransponível

de que não passará.

Nunca!

Fernando Béca
Enviado por Fernando Béca em 21/08/2016
Código do texto: T5734891
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