MATINAL

Eu gosto de olhar para o rosto das pessoas

acabrunhadas,

entorpecidas,

ensimesmadas;

com o cenho franzido

e os olhos enrugados apertados

quando sentam-se sob o sol da manhã

na frente de suas casas

para aquecer o corpo e praticar

o nobre estado do não-pensar

olhando para o chão

e erguendo a vista para ver quem chega

tapando o sol com a mão em concha

e respondendo qualquer coisa por obrigação...

Eu gosto de olhar para elas

com suas feições matutinas,

suas expressões enrugadas,

esturricadas,

sua resignação filosófica

e dedicada totalmente a este estado de se deixar estar,

se aquecer sob o sol

por um nada

e para um nada

que lhes pertence tão verdadeiramente quanto suas próprias vidas

Eu gosto de olhar para o rosto das pessoas

que estão encolhidas,

com as palmas das mãos juntas entre as pernas

sob o sol das nove e tantos da manhã

para esquentar seus corpos

e dizer coisas óbvias

apenas para estabelecer este contato humano tão básico

primitivo...

Eu quero olhar para suas rugas, seu torpor,

seu estranhamento quando levantam o braço para apontar

qualquer coisa

numa tentativa ignóbil de vencer o desânimo,

a neurastenia

de um início de dia

que elas não querem começar

Com o meu silêncio eu gosto delas

e com minha observação eu as acarinho

numa empatia mouca

matutando

no momento matinal

desta comunicação ancestral

sem palavras

Morpheus