Passagem de ida
Não há dor de parto mais crua
Que aquela nostalgia carimbada no peito
Não sei em que degrau da escada
Deixei de ser menino de sonhos
Mas me lembro que bestamente
Frustrações de adultos se apossavam de mim
Como um boi antecipando a sina do corte
Sorria sem juízo imaginando ser homem
Mas passava ligeiro como o jato no céu
Que vibrávamos com seu pum de fumaça
Mergulhava na lama com o Aquaman que vinha no sorvete
E fazia gols com o Cruzeiro no futebol de botão
A paz era intensa e o dia brilhava
Todas as vezes que nascia com uma fantasia diferente
Meus heróis salvavam o mundo, tinham poderes nas mãos
Soltava raios pelos olhos e não morriam como fizera meus avós
Não sei quando, se dia ou se noite
Bateu uma pedra de violência em mim
Perfurando minha sanidade com sua ponta vingativa
Regurgitei lançando na face que me encarava
Houve sangue e um desmotivo selvagem
Precisava colonizar, invadir e urinar no meu território
Animal temido, macho alfa demonstrando força
Assim descobri a doença incurável de ser homem
A desminização acontece assim,
Quando a brutalidade se abdica da sensibilidade...