Escrevo

há palavras que não posso te dizer

há gestos que são só silêncios

e te olham

como as memórias olham o passado

e as noites, então, demoram-se

percorrendo as sombras sobre as flores

fazendo escuros os mundos

nos quais vivo sem ti

por que a poesia que tenho

é feita das palavras que não posso te dizer

escondidas em mim

desmedidas

te desejando

e sonhando nos amores todos

como seria te amar

em tanto amor pousado na tua chegada

em segredos

em ausências

na espera

respirando o teu perfume

escrevo

escrevo

escrevo

como se escrevendo cada vez mais

pudesse, enfim,

dizer-te coisas de amar

e, então,

a tua boca pousasse na minha

e todos os verbos diriam versos

e todos os versos diriam amor

nas noites insones fecho meus olhos

dou nome a ti

e canto e escuto o nome que te dei

e tremo dentro da solidão

sedenta da tua doçura

tudo é recordação

que os teus olhos põem no meu coração

às vezes me pego pensando

o que para ti eu diria

se eu pudesse

às vezes me pego pensando

o que para ti eu faria

se eu soubesse

e entrego à noite que habita em teus olhos

o nome que para ti eu sonhei

e que enche os silêncios do meu mundo

com uma canção de uma antiga voz branca e quieta

e um sol mirando o outono

a rosa entreaberta no vermelho dos teus lábios

lembrança do beijo

que não te dei

e que é o inominável das palavras

pra sempre nesta poesia

para sempre inacabada