"Sete Elementos"
Os seis filhos almoçavam ovos
Única iguaria farta e acessível
Pelo menos nos sombrios tempos
Daquele desassossego e frio
Quando nada na terra brotava
Para o número um – um ovo estrelado
Frigideira com pouca margarina
Todo cuidado ao tirar a gala
Gotas d’água sobre gema mole
Sem estourar – na durinha clara
Para o segundo filho – ovo quente
Por três minutos em fogo médio
Olhos atentos ao cozimento
Depois de quebrar casca e pôr sal
Pra beber ou usar colherzinha
À terceira criança – omelete
Misturando ovo sal cebolinha
Em textura firme e suculenta
Capaz de aguçar apetites
Ainda mais com folhas de salsinha
O quarto filho – o mais exigente
“Le mien à la française – Madame”
Quebrar em água – e tampar
Temperando com pimenta e ervas
“Poché” – quase sol imerso em névoa
Para o quinto filho era cozido
Por uns dez minutos em fogo alto
Esse ovo – quase uma coisa viva
Deveria estar com a casca seca
Ao ser erguido no ar – num átimo
O sexto ovo era o de preguiçoso
O mais fácil de ser preparado
Por precisar de apenas um baque
Numa frigideira – untada ou sem nada
A gema a clara o sal – remexidos
Para si a mãe não cozinhava
Ficava ali comendo silêncios
Feliz com o que acabava de ter
Naqueles olharezinhos quentes:
Mágica do amor – num só alimento.
(Graça Lopes, 2013)