Reflexões de uma noite II
Os olhos estão pesados
Sinto a miopia consumindo-os como câncer
Mas mesmo assim os músculos do corpo estão relaxados
Meu pulmão está relaxado
Meus dedos estão relaxados
À essa hora
Sou a única pessoa em São Paulo que observa a rua
Sou a única pessoa presente no mundo
E as pressões se acabam
E a raiva se acaba
E o tempo se apaga
Acabei de transcender,
Palavra bonita essa,
Mas hoje em dia vazia
Trans-cen-der,
Ao tempo e o espaço
Às duas horas da manhã na janela do meu quarto
E estou em tempos em que nunca estive
E estou em terras em que nunca estive
E vivo a vida que nunca vivi
Que criei
Que criarei
Se eu tivesse um infarto, um AVC ou sabe-se lá o que
Não morreria
Voaria por campos que não são campos
Por montanhas que moldei e/ou moldarei
Beberia água que não é água
E criaria impérios pela paz e pela arma
Seria imperador, rei, presidente, governador, escritor, professor, nadador, engenheiro e até marceneiro.
Coisas que quero ser mas nunca fui
E que sou apenas em meio à gatos, lixeiro, latidos e gemidos,
Perante a lua, quatro estrelas, postes e coveiros