O futuro visto no topo (ou uma reflexão sobre LISBON REVISITED)
Se você não tem nada de novo a nos oferecer
então não destrua o que é antigo
o antigo foi erguido na colheita de sangues
acima do sol
embaixo da lua
no meio da terra
através das paredes e dos remorsos
entre lágrimas rimadas
por desistências sorridas
para sofrimentos carinhosos
com tenebrosos esforços
Não transforme isso
em nada
Você pode transformar isso tudo
no oposto disso tudo
no trampolim de outros
menos sórdidos, pode ser...
Mas você não pode transformar tudo isso
em nada
Você pode tentar
- é sua sina -
outros tolos já tentaram
todos os tolos que tentam
vivem e morrem tentando
chorrilhos de toleirões
tentaram tentaram
deve ser mesmo tentador
mas essa é a fome dos idiotas
que morrem como nascem
na sagrada idiotice de seus egos puntiformes
eles empunham mal
o arco com o qual
tocam seus trombones
eles sopram errado
a embocadura em forma de cone
do piano lado a lado
quando erguem altaneiros o serrote
não entendem (nada) por que
por que a orquestra se recusa e silencia
o bom e jovem Mozart?
Além de surdo, ficou mudo
o tal Beethoven...
Para eles - o silêncio!
Não me venha com novidades e gracejos
mimosos para sua tribo incomunicável
em que o antigo é coisa de gênios
não há gênios
muito menos gênios incompreendidos
desde Wedekind!
Nada!
Nada!
quero o velho
o mais velho
o muito velho
e velhíssimo é pouco
o mais velho dos velhos
para que uma criança de verdade
não um espantalho banhado em sangue
possa-consiga-venha-queira-traga
nascer
entre os escombros, as muralhas, os musgos,
a ferrugem, o azinhavre, a mandrágora,
o Kilimanjaro, a pátina, as ruínas
dessa tão antiga
tão pouco remota
felicidade humana
(além dos egos)
porque ela - sim - nos quer
e nos adota
tira de nossas mãos e de nossos pés
as cruzes e os pregos.
Livra-nos do que outrora foi derrota.