FLOR DO DESERTO, ORQUÍDEAS E ARRECIFES

Poetas comparam os seus amores às flores, a monstros e dores comparam suas perdas. Eles vêm beleza onde não há e podem ver o amor surgir mesmo na maior sequidão, no abandono, na partida, na demolição e até

nos planos de um arquiteto diante de sua construção. Em geral, os poetas comparam tudo a tudo só para dizer o que toda gente fala sem rodeio:

“O AMOR É LINDO, EU AMO VOCÊ”

Os poetas são fechados para o mundo que vai além deles. São fechados para a certeza, para a verdade e inventam saídas para o crustáceo que se tornaram, para o autismo onde vivem no longe além daquela janela. Para expressar o que sentem e exprimir o que vêm, os poetas comparam... Comparam para revelar, para descobrir e possuir. Para entender e sentir compararam. Enamorados poetas dizem coisas estranhas quando não conseguem simplesmente dizer:

“O AMOR É LINDO, EU AMO VOCÊ”

Os poetas embaralham, anagramam e complicam quando dizem OAMORÉRARO. Como flor a do deserto, a orquídea e o arrecife, o verdadeiro amor do poeta que são os poemas, aponta como estrela em noite escura, floresce planta no jardim ou em vaso dentro de casa, acumula cálcio e forma corais coloridos nas beiras de um mar inventado. Os outros dizem de uma orquídea que “é exemplar único” quando estão como a areia da praia espalhadas pelo mundo, pelo mundo que são mundos de todos os tamanhos. Tem orquídea do tamanho da lua, tem orquídea menor que a unha, há milhares de orquídeas reunidas em estufa, à venda em galerias, mas estas são poemas comuns sem perfume e não traduzem o que toda gente quer ouvir:

“O AMOR É LINDO, EU AMO VOCÊ”

O poema bonito que queremos ouvir abre-se flor do deserto colorida no alto da montanha ou no retorcido de uma árvore do cerrado, numa restinga afastada, numa rifaina, desconhecida. No mundo triste, o poema é luz debaixo de um cipreste e se abre no silêncio para os olhos de quem passa. Mesmo que só no pensamento, como sal que dá sabor ao beijo molhado de saliva, como se da boca que se quer beijar ouvisse:

“O AMOR É LINDO, EU AMO VOCÊ”

Orquídea-pensamento existe mas é rara como flor no deserto. Nos Pirineus acontece de abrir a pudica orquídea pensamento-meu-sempre-distante, convidando desabrocha no capricho de ocultar-se de mim sorrindo. Orquídea é flor que sabe guardar em si dúvidas macias, já os arrecifes, acúmulos de calcário vistos na praia, não. Eles abraçam as ondas com uma certeza bruta, a certeza cega da pedra submersa no tempo da solidão. As orquídeas da Tailândia são as mais exóticas porque tudo que é exótico vem do Oriente. O Oriente está na soleira da minha porta e minha casa à beira do Ocidente, nela a flor do deserto, as orquídeas e os arrecifes transfiguram seu perfume porque EU AMO VOCÊ.

Mas veja, que sorte a minha! Ali outra flor decora outro poema. Alheia de mim, alheio de mim: acomodam meus sentidos flor e poema - pétalas de carne e osso. O Belo é assim, assalta o espírito, a leveza faz vibrar o corpo na alegria e a estampa é sorriso prova de feliz encontro.

Baltazar

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 11/08/2016
Reeditado em 16/08/2016
Código do texto: T5725168
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