LUZ ANDARILHA
NEL MEZZO DEL CAMMIN / NO MEIO DO CAMINHO
Nel mezzo del cammin... Dante Alighieri começa A Divina Comédia com esse verso introduzindo o leitor numa história que já tinha começado na sua ausência. É talvez o verso mais popular da história da Literatura Ocidental, foi copiado/recitado numa infinidades de poemas desde sua criação no século XIV e inspirou poetas como Carlos Drummond que, na “sacada modernista" de sua enigmática pedra no caminho, aproxima o leitor de uma "história interrompida que se narra".
Neste poema, “LUZ ANDARILHA”, acompanhado aqui de uma versão audiovisual, faço minha homenagem aos poetas citados usando o verso “no meio do caminho” e, também, enalteço nossa Língua Portuguesa - última flor do Lácio, como a descreveu Olavo Bilac (1865-1918). Obrigado por sua leitura, Baltazar.
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No meio do caminho escuro
percorri cavernas, vivi entre
sombras com as sobras da luz
do mundo que não conhecia.
Nasci escravo de não saber
um dia destemi o conhecido
e para fora andei.
Ainda que eu pare no meio do caminho,
parado ainda andaria.
Isso de andar vem de d’Ante e segue
Drumondaria - nunca para-se de todo
Antes, a morte.
Acontece não haver descanso na morte
e ainda que seja o fim deste,
parado ei de escrever “caminha”.
Porque acordei do sono curto da vida na morte
acordei quando andava perto do fim
e do alto em agonia
o precipício eu via.
Cá, embaixo
grávido de terra aos rés do chão
o íngreme ermo de um paredão vazio.
Por sorte, graça ou gana
não sai de entre as linhas
desenhadas na palma gesta.
Ventura é cair, pé atolado é não andar
Se da poeira erguido fora
não será em vão que ando a acreditar.
Tenho andado desde então,
tinha andado senão.
Ataviado aos efeitos da palavra andei,
andarilho andava.
Luz andarilha,
na minha companhia a palavra andara.
Caminho sem fim, ainda que o percorra
entre ossos desfeito, entre várzeas
entre charcos lamaçais e depois acorde
mais uma vez do sono prolongado
e acordando uma vez mais
andasse no vale tenebroso, caminharia.
Terei andado para escrever “andei”.
Porque acordei no meio do caminho
entre sombras com as sobras da luz
reconheci o mundo que eu não via.
Nada impede a luz da palavra andarilha
nada estanca a força da água que vaza.
Se para luzir a palavra no chão finca raiz
para iluminar a razão desabrocha a flor
Palavra Andarilha, do Lácio a última flor.
Baltazar