Há além mar um amor platônico,
Que nele nunca hei de chegar,
Nem mesmo num supersônico,
Alcançarei este amor lá onde deve ficar.
Vivo na distância,
Entre o aqui e lá...
em um mundo de contingência,
Entre lá e cá.
Vivo sem dependência,
de um ser qualquer,
Mas na dependência do amor é evidência,
O amor santo de uma mulher.
Minha vivência é precária,
Na vida que tento levar,
Não me obsta a indumentária,
Que visto para não chorar.
O amor pode estar distante agora,
Aqui, ali, em qualquer lugar,
Não chegou a minha hora,
Nem aquele amor há de chegar.
Mas, o que me importa,
Não vivo de solidão,
Aqui, por trás da minha porta,
Há uma alma e um coração.
Não tenho compromissos,
Nem ligações com ninguém,
Assim eu vivo isso,
Não me incomoda também.
Para tudo há um momento,
E hoje me interesso por alguém,
Distante, nasce um sentimento,
Mas. não sei se o contrário tem.
Alias, eu bem sei,
Que não existe sentimento algum,
De quem ao longe avistei,
Um amor impossível que não passa de um.
Ai! Que a vida tem dessas coisas inevitáveis,
Um olhar sozinho na multidão..
Amor platônico, tatos intocáveis,
O que fazer, senão trancar meu coração!
Dom Quixote e Dulcinéia
"O princesa Dulcineia, senhora deste cativo coração, grande agravo me fizestes em despedir-me e castigar-me com a proibição inumana de não voltar a gozar de vossa presença especiosa. Dignai-vos , senhora minha, aprendai-vos desse coração rendido , que tantas penas está carpindo por amor vosso."
Apesar de ter visto não mais de cinco vezes, Dom Quixote dedicou a sua amada Dulcinéia todas as suas loucuras, vitórias e feitos heróicos. E o que seria de um cavaleiro sem uma musa inspiradora? Por ela Dom Quixote atravessaria deserto, travaria batalhas épicas, lutaria com os mais valentes e fortes inimigos, para proteger sua dama, a mais bela entre todas por quem nutria um amor platônico e submisso. Mais quem melhor que o próprio Dom Quixote para descreve-la?
Então nos diga meu querido Dom quem era Dulcinéia del Toboso:
"O seu nome é Dulcinéia, sua pátria Toboso, um lugar da Mancha; a sua qualidade há de ser, pelo menos, Princesa, pois é Rainha e senhora minha; sua formosura sobre-humana, pois nela se realizam todos os impossíveis e quiméricos tributos de formosura, que os poetas dão às suas damas; seus cabelos são ouro; a sua testa campos elíseos; suas sobrancelhas arcos celestes; seus olhos sóis; suas faces rosas; seus lábios corais; pérolas os seus dentes; alabastro o seu colo; mármore o seu peito; marfim as suas mãos, sua brancura neve; e as partes que à vista humana traz encobertas a honestidade são tais (segundo eu conjeturo) que só a discreta consideração pode encarecê-las, sem poder compará-las."
(Miguel de Cervantes In: Dom Quixote)