O Espectador
Não sei que desejo vestir
Quando essa roupa de neblina
Já intoxicou meus olhos de sombra
E qualquer movimento resulta em bocejos,
O nada acaba lhe conformando
Em abrir os olhos para os dentes do tempo,
Um dia que eu não soube aconteceu,
Todos os sonhos se diluíram no banho
Escorreram por todo o corpo
E foram para o ralo (devemos segui-los?),
Todas as brilhantes ideias, desejos calorosos
Vagam pela escuridão dos encanamentos do mundo
Acontecendo em possibilidades
Descartadas, impedidas, ignoradas
De momentos solitários em memórias
Desoladas pelo arrependimento de nunca ter sido,
É a saudade do futuro que nos mata,
Que nos faz afundar dentro de nós
Para assistir o possível espectro de si
Realizado pelas mãos amputadas
De seu âmago estrangulado,
Quantos cadáveres ilustríssimos
Nesse oceano de desilusão,
Quanta luz nessas trevas,
O mundo exterior é insípido
Para a amarga tragédia
De nossos doces fracassos,
Nossas bem amadas derrotas
São um triunfo nostálgico
Para nossa imensa solidão
Povoada de memórias violadas
Por desejos nunca concedidos,
Nossa poltrona de Rei
É uma cadeira no teatro da imaginação
Onde assistimos a realização subvertida
De inúmeras quimeras do passado.