DESMORTO

De todas as poesias feitas numa vida só

A que considerei mais bela fora aquela

Escrita numa primavera versal e singela.

Naqueles dias não houve qualquer dor ou dó

Só um sentir de mudança. Ali, aos pés da serra.

Achei nas flores da velha roseira um caminho

Para o meu morto coração; fui ao seu negro ninho,

Um caixão de corpo-pedra ainda sobre a terra.

Com bravata mudei a palha, cuidei do jardim ao lado

Tirei o negror e ardor do pulsar; houve grande reviravolta,

Ninho quentinho, flores nascendo, bom vento e o sol de volta.

Fabriquei um coração desmorto, ressurgido do cuidado.

E dessa odisseia nasceu a mais bela poesia do eu achado,

Composição feita pelo corpo da vida e não no papel raso.