Água Impura
Saudade é o oposto da água pura.
Quem sabe disso já flutuou no seu mar salgado.
Tentou ir ao fundo na esperança de escapar
de sua investida sorrateira.
Aprendeu que a densidade do pensamento
líquido não admite longas submersões.
A exposição é irremediável.
Os lábios afloram em fissuras dolorosas.
O sal do silêncio fere a palavra maldita.
A mais ardida. Aquela não dita.
Saudade não é insípida...
Saudade é o oposto da água pura.
Assim afirma veemente quem já sentiu
o perfume vindo de outros tempos.
Chega intacto, o viajante.
Tão persuasivo quanto inebriante.
Como quem nunca partiu.
Estimulando olfatos e sentimentos.
Tem o inexplicável aroma do agora .
Desestabelecendo a ordem do que vive dentro.
Saudade não é inodora...
Saudade é o oposto da água pura.
Veste-se de todos os matizes.
Recompõe os pigmentos básicos da existência.
Revigora o valor das felizes vivências.
Dignifica aquilo de valor consolidado.
Também eleva a dor a certas potências...
Memória é algo que desconhece clemências.
A translucidez não adere à sua aura multicor.
Saudade não é incolor.
Saudade é o oposto da água pura.
Bebo dela, então. E brindo !
Com a taça transbordante de sensações.
Ao sabor de delícias ou lamentos.
Nos odores, sabores e cores percebo o eterno.
Momentos vividos que ressuscitam pela boca.
Não me importo em sorver o que não é potável.
Sorrindo ou doendo, cada instante é bem-vindo.
E qualquer vestígio de vida, simplesmente memorável !
Claudia Gadini
04/10/05