IN MEMORIAM
Rios sem peixe, rios-esgoto
Rios mortos, apodrecidos
À margem de medíocres e apáticos cidadãos
Silenciosos diante de tanto desviver.
Transito por cidades despidas de rios
Onde há apenas águas pútridas, inertes
À espera de ajuda: querem renascer
(haverá ainda salvação?).
Rios sem vida, negros de sujidade
Abandonados à própria má sorte.
Por onde passo, infelizmente,
As cenas se repetem:
degradação, suplício,
morte, o fim.
Anêmicos, sem energia
Os rios são represados
Condenados a desseguir seu curso natural
Forçados a produzir energia
Iluminar insones noites urbanas,
Frenéticos delírios consumistas.
Rios que não correm para o mar, impedidos
Desapiedadamente, de conhecer sua foz
Sofrem calados, choram ignorados
Lágrimas lamacentas, compactadas, tóxicas.
Aos poucos, os rios perdem
A doçura de seu nome
A vitalidade e, exaustos, sucumbem:
Viram citações nos livros de Geografia.
Indiferentes, não temem mais as carrancas
Que, atracadas em cais secos,
Não navegam e ficam a chorar, saudosas,
A ausência das antigas águas pluviais.
Comovo-me quando vejo
Um rio caudaloso, límpido
Abastecer comunidades, famílias inteiras
Povoando e agraciando a terra com o viver.
Esses rios – raros – me encantam
Têm a vida entranhada em suas águas,
A força original concebida por Gaia
E o frescor de sua vitalidade.
Entristeço-me ao retornar à minha aldeia:
O solitário Xopotó foi extinto há décadas
Restou-nos tétrico filete de podridão
A escancarar nossa miséria humana.
*Publicado no livro POESIA (coletânea de poesias) da editora Palavra é Arte.