IN MEMORIAM

Rios sem peixe, rios-esgoto

Rios mortos, apodrecidos

À margem de medíocres e apáticos cidadãos

Silenciosos diante de tanto desviver.

Transito por cidades despidas de rios

Onde há apenas águas pútridas, inertes

À espera de ajuda: querem renascer

(haverá ainda salvação?).

Rios sem vida, negros de sujidade

Abandonados à própria má sorte.

Por onde passo, infelizmente,

As cenas se repetem:

degradação, suplício,

morte, o fim.

Anêmicos, sem energia

Os rios são represados

Condenados a desseguir seu curso natural

Forçados a produzir energia

Iluminar insones noites urbanas,

Frenéticos delírios consumistas.

Rios que não correm para o mar, impedidos

Desapiedadamente, de conhecer sua foz

Sofrem calados, choram ignorados

Lágrimas lamacentas, compactadas, tóxicas.

Aos poucos, os rios perdem

A doçura de seu nome

A vitalidade e, exaustos, sucumbem:

Viram citações nos livros de Geografia.

Indiferentes, não temem mais as carrancas

Que, atracadas em cais secos,

Não navegam e ficam a chorar, saudosas,

A ausência das antigas águas pluviais.

Comovo-me quando vejo

Um rio caudaloso, límpido

Abastecer comunidades, famílias inteiras

Povoando e agraciando a terra com o viver.

Esses rios – raros – me encantam

Têm a vida entranhada em suas águas,

A força original concebida por Gaia

E o frescor de sua vitalidade.

Entristeço-me ao retornar à minha aldeia:

O solitário Xopotó foi extinto há décadas

Restou-nos tétrico filete de podridão

A escancarar nossa miséria humana.

*Publicado no livro POESIA (coletânea de poesias) da editora Palavra é Arte.

Raphael Cerqueira Silva
Enviado por Raphael Cerqueira Silva em 23/07/2016
Reeditado em 17/01/2017
Código do texto: T5706779
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.