Apenas papel
A primeira palavra de um texto é a que mais me aflige
O papel em branco anseia por palavras
E eu não sei por onde começar
O que escrever primeiro?
A folha tão leve observa o quase pressionar das teclas
E a sutil desistência no último momento
Como posso decidir, se tenho tanto para dizer?
Devo escrever besteiras ou declamar verdades?
Devo retratar segredos ou confessar a minha dor?
Minha vida em branco clama por detalhes
São os devaneios de um sonhador silencioso
Que se perde entre as rochas que ergue ao seu lado com tanto esmero
Minha noite tão longa clama por um final
São os lamentos de um observador exausto
Incapaz de transcrever o que vê dentro de si
É o silêncio inquieto de um transeunte da própria vida
Alguém que olha no espelho e só enxerga palavras confusas
Alguém que se deita nos cacos e cigarros
e se perde nas páginas difusas
Sou um passageiro no papel tão branco
Onde dou um longo mergulho em letras revoltas
E percebo que sou apenas mais um momento
Uma folha de sonhos vazia
Lacunas, avenidas e torres sem contorno
Sou desenho e sou palavra
Mas antes de tudo, sou desejo
Sou aurora e sou desfecho
Mas apesar de tudo, sou vazio
Sou máquina e sou tinta
Mas no meio de tudo, sou silêncio
Sou apenas papel
Que não se sabe se queima
Ou se deixa voar