MORTE

Devo estar morto.

Ou será que torpor não é morte?

Só sei que não vi a tal luz da qual falam

Não passei pelo túnel estreito e escuro

Dizem que é volta ao útero.

Não ouvi as trombetas dos anjos e dos guardiões

Não me vejo deitado no leito

Nem pairo no ar com os meus ais.

O tal campo verdejante nunca vi

Inda falo e escuto meus sons

Respiro e percebo o arfar

Só não sinto os latidos de dor

Já não há mágoa no costume, na constância do medo.

Com ojos de duro hielo miró el invierno tus carnes

Hoy el dia nació muerto, definiu como morte o poeta.

Contudo, não me sinto frígido, inerte, inconsciente.

Alguns dias, contudo, nascem mortos, sem fim.

Será inconsciência uma parte da morte?

É possível a consciência sem matéria?

Consciência de que?

Minhas carnes ainda vicejam vermelhas

Meus nervos sustentam meus ossos

Ainda tremeluz uma chama

Será que morrer é assim?

Viver mergulhado na dor, na sua e na do outro.

Às vezes penso que isso já não é viver

Será vida a dos farrapos nos vãos da cidade?

No sol da cidade, suplicando, implorando.

Esperam a morte, e ela não vem.

Nem esse direito lhes é dado viver

Cavam à procura dela, mais que tesouros ocultos.

Será viver, vender seus anseios, suas buscas, seus propósitos?

Simular ter amor na porta dos bares?

Máscara, um corpo vendido, usado, cuspido.

Será vida quando morremos por segundo?

No pulsar de um bit, no sim e no não.

Ligado e desligado, zero ou um.

Morremos a cada dia, mergulhados na imensidão da Internet

Multidões que se escondem e morrem com a sensação de estarem juntos, fazerem parte, estarem incluídos.

Sensação de estar sem estar.

Seria isso morrer?