LUCILA
LUCILA
Minha voz não tem pudor,
não tem cor nem rancor.
Sem decoro minha voz ecoa
e se junta ao coro das mulheres
para quem seus homens
chegam atrasados à mesa
erram o endereço da cama
e chamam suas damas
de minhas vagabundas.
Minha voz ancora no raso da vida
e decora a superfície dos vestidos
para que outras passem ao largo
com ou sem seus homens
e façam do mundo descarrilhado
comboio a seguir seu curso.
Embora goste do perfume barato
de certos homens brutos
eu não gosto das mãos cegas
certas e brutas
daqueles que depois do banho
ainda úmidos em volúpia
acreditam ter o mundo girando
em torno do próprio umbigo.
Apenas invejo a certeza
que têm e coro vermelha
fingindo ser tocada sob a pele
por aquela tão bem definida verdade.
A simples verdade da carne dura
da sorte bem nascida
de ter sido homem noutra vida.
De ter sido outra noutra camada de dor,
ter sido forjada no calor de ondas
e notas nobres de raros perfumes.
Longe de mim ser modelo,
eu nasci verbo indulgente.
Olhos vorazes enxergam
aborto em mim porque nasci
da brutalidade da mão firme
que fizera germinar negligente
a inesperada candura de Lucila.
Nas ruas, ora sem cheiro crua,
vago itinerante 'insuportadora'.
Sou rasgo na epiderme aberto,
no ovário já era um delito.
Me consumem os dias
a vida é uma estria
libérrima,
abrupta e contígua.
Entre aqueles homens eu sou mais.
Me sinto outra, sou ainda mais bruta.
Baltazar