Finge que sou eu esse eu que te declama

Eu não sou eu quando de mim corre a ciência

De uma consciência.

Não posso ser eu quando estou na verdade

Fora do eu, da cadência.

Na cadeia dos meus pensamentos posso ser eu

Mesmo sendo outro eu:

Um eu de mentira,

Que diminui o dinheiro que ganho,

Invoca a infidelidade

E me faz de brinquedo, sendo um eu estranho.

O poeta não é um fingidor!

O poeta é um criador dos outros “eus” de si mesmo,

Um eu para o amor,

Um para a enfermidade,

Um para a família

Um para o trabalho

Um eu preguiçoso, a esmo.

Um eu qualquer pode ser fatal.

Posso criar outro ser

Uma voz que emita falas roubadas.

Um eu que sai de mim

Sai, mas eu sei, posso perder a moral.

No passo de alguém desconhecido

Sou eu que reconheço o meu eu.

Ou talvez, eu que magôo ou machuco o eu-momentâneo.

Desconhecido, o eu me é ex-amigo, ex-palavra.

O eu se finge de morto sem ter morrido.

Quando eu invento um novo eu,

Estou tentando fugir, correr deste mundo.

Saudades da ociosidade!

Um eu que pode chorar, sorrir, invejar.

Um eu que pode tudo, até inventar sendo inventado!

Um eu que me substitua até quando eu falhar.

Posso sumir, sendo o eu de verdade bem longe daqui

E deixar perecer, florescer, adoecer um eu que me ouse assumir.

Agora eu sou eu.

Agora meu eu-substituto não pode ser eu.

Preciso congelar o tempo e tecer um novo eu.

Preciso criar um eu que não seja eu,

Escolher, limpar, amasiar as palavras

Para o meu eu ser o mais perfeito.

E, enquanto crio esse eu que - fico orgulhosa - parece eu!,

Sou eu de verdade, na carne, na dor, na velha roupagem!

Adentro meu eu no mundo das palavras,

Porque sem eu o meu eu não existe.

E quando reluzente, desvairado e curioso - um eu como eu-,

Faz-se novo, cheirando a embalagem nova, vou-me feliz

Contente, como a mãe que está satisfeita do objetivo após parir os filhos,

Fico assim, boba e preguiçosa,

Inventando “eus” que vivam as trevas complicadas.

Deixo que as crias de uma mãe poetisa, de uma poetisa mãe

Melhorem o mundo e dêem suas risadas.

Carla L. Ferreira

08/02/07

Brasil.