poema sadomasoquista
a mão afaga,
amacia a carne, lambuza de vermelho;
dá a dimensão da realidade.
ela, executora, se agiganta,
esparra, infiltra-se na memória.
torna-se seu deus, o elo com o mundo das coisas.
tem o poder de tirar sua vida, mas
a matém em algias
mantém porque quer,
por seu próprio desejo, e de outros,
muitos outros;
que desejam em conjunto,
num esforço espartano de covergência.
e você, objeto de todo o desejo,
é pleno de graça, carne, osso, bílie,
sangue, muito sangue.
sangue e memória;
que não é mais sua
porque, centrada neles,
foge da sua cabeça;
vai fazer morada num sem-espaço,
staccato, latejante.
ele, o corrasco, dispõe do seu desejo,
só corpo não basta;
é preciso dessangrar as pulsões.
E você o deseja, idolatra,
porque ele te cativou,
é por você responsável;
pai; criador; dono; ponte; abismo; amante; disciplinador.
ele desfere o golpe
com a mão espalmada-- como fazem as mães aos bebês.
e seu corpo inteiro vibra,
se inunda;
o oco e fibroso se intumesce.
então você espera:
pelo próximo golpe?
a liberdade do cativeiro?
você não quer mais a liberdade,
parece-te com um parto,
deixar um mundo suspenso,
viscoso e quente
que te entra pelos orifícios,
e te torna lúbrico, não é uma escolha.
mesmo assim, você é expulso,
regorgitado pelo útero
se vê sozinho,
com feridas por sicatrizar.
e suas memórias?
ah, essas você terá de coligir.
terá de juntar os pedaços espatifados do seu desejo
e dizer: eu sou alguém!
mas quem?
sem um deus a te guiar,
sem a mão forte que espanca e afaga;
sen volumes que te preecham as partes ocas.
você quer chorar, e chora;
e se esvazia;
e fica oco;
e oco se liberta,
do cativeiro,
que te cativou
com amor e ódio.