FAZ TEMPO
FAZ TEMPO
Eu era menino na rua
Não era de rua
Tinha pai e mãe
Conhecia vizinhos
Andava de pé no chão
Não roubava não
A não ser as vezes
Um pedaço de pão
Não cuspia primeiro
Tinha medo de apanhar
Brincava de pegar
De pião, de pipa
De bolinha, de espeto
De taco, bola de meia
Carrinho de rolimã
Pagava meia na sessão
Sonhava super-herói
Acordava mijado
Com medo de assombração
Não tinha medo de gente
Vivia contente
Na minha imaginação
Lia Karl May
Galopava pelo Curdistão bravio
Que cabia na palma da mão
Escrevia milhões de vezes
Não devo fazer bagunça na classe
Em letra redondinha
Num caderno que se dizia
De caligrafia
Mas era de castigo
E o chinelo comia
Na bunda amortecida
Por uma calça curta
E duas samba-canção
Não curtia turma
Turma não deixava sonhar
Só permitia acordar
E brigar
Com a turma da outra quadra
Preferia meus bichos
Meus lixos
Que achavam livros
Que ninguém queria
E deles fazia
A minha companhia
E pensava, pensava
Em tudo em nada
E nadava num mar de imaginação
Até que um dia
Chegou a puberdade
A maioridade
A responsabilidade
A verdade
E a mentira da infantilidade
Desfez-se na realidade
Mas continuou em devaneios
Em poesias e inutilidades