FAZ TEMPO

FAZ TEMPO

Eu era menino na rua

Não era de rua

Tinha pai e mãe

Conhecia vizinhos

Andava de pé no chão

Não roubava não

A não ser as vezes

Um pedaço de pão

Não cuspia primeiro

Tinha medo de apanhar

Brincava de pegar

De pião, de pipa

De bolinha, de espeto

De taco, bola de meia

Carrinho de rolimã

Pagava meia na sessão

Sonhava super-herói

Acordava mijado

Com medo de assombração

Não tinha medo de gente

Vivia contente

Na minha imaginação

Lia Karl May

Galopava pelo Curdistão bravio

Que cabia na palma da mão

Escrevia milhões de vezes

Não devo fazer bagunça na classe

Em letra redondinha

Num caderno que se dizia

De caligrafia

Mas era de castigo

E o chinelo comia

Na bunda amortecida

Por uma calça curta

E duas samba-canção

Não curtia turma

Turma não deixava sonhar

Só permitia acordar

E brigar

Com a turma da outra quadra

Preferia meus bichos

Meus lixos

Que achavam livros

Que ninguém queria

E deles fazia

A minha companhia

E pensava, pensava

Em tudo em nada

E nadava num mar de imaginação

Até que um dia

Chegou a puberdade

A maioridade

A responsabilidade

A verdade

E a mentira da infantilidade

Desfez-se na realidade

Mas continuou em devaneios

Em poesias e inutilidades

Arnaldo Ferreira
Enviado por Arnaldo Ferreira em 05/06/2016
Reeditado em 06/06/2016
Código do texto: T5658454
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