O espelho
No espelho, a imagem refletida
não é mais o meu rosto apenas.
É o outro, que me julga e condena;
inclemente juiz da vida.
Faz-me relembrar que o fracasso
guarda o gosto amargo do fel.
Reserva-me pena cruel:
o remorso de cada passo.
Cobra-me sem trégua os feitos
das escolhas erradas de ontem.
Nega-me a crença no horizonte;
ressalta, mordaz, meus defeitos.
Zomba do meu peito ferido,
com cicatrizes incontáveis
das amantes inalcançáveis
e amores não correspondidos.
Incrimina-me a todo instante
de deixar partir para sempre
o amor que não me sai da mente,
a mais amada e mais amante.
Ó arquissuplício das manhãs,
tardes e noites, és juiz?
Ou, na sanha de me destruir,
o carrasco no seu afã?
Ao teu ortodoxo conselho
eu viro as costas, sem perigo
de aumentares o meu castigo,
pois tu não passas de um espelho.
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não é mais o meu rosto apenas.
É o outro, que me julga e condena;
inclemente juiz da vida.
Faz-me relembrar que o fracasso
guarda o gosto amargo do fel.
Reserva-me pena cruel:
o remorso de cada passo.
Cobra-me sem trégua os feitos
das escolhas erradas de ontem.
Nega-me a crença no horizonte;
ressalta, mordaz, meus defeitos.
Zomba do meu peito ferido,
com cicatrizes incontáveis
das amantes inalcançáveis
e amores não correspondidos.
Incrimina-me a todo instante
de deixar partir para sempre
o amor que não me sai da mente,
a mais amada e mais amante.
Ó arquissuplício das manhãs,
tardes e noites, és juiz?
Ou, na sanha de me destruir,
o carrasco no seu afã?
Ao teu ortodoxo conselho
eu viro as costas, sem perigo
de aumentares o meu castigo,
pois tu não passas de um espelho.
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N. do A. – Na ilustração, Autorretrato com Espelho Convexo de Angelika Kauffmann (Suíça, 1741 - Itália, 1807).