Desejo incontido
Preciso dormir
A austeridade do despertador
não perdoará o meu excesso
Esse desejo incontido
de sair de mim
e ser palavra in-ventada
fora do verbo
sem conjugação
Ventou muito à tarde
Talvez explicasse o respingo
Não fosse o caso de sentir
que nada se deve explicar no poema
Poesia é experimento
Empiria
Rasura de sentimento
Corte
Sangria
Hoje eu queria um movimento
moviventante
Nesse clima de outono
que é em si
e ao mesmo tempo
travessia
Eu atravessaria um deserto inteiro
por uma palavra
brotada de chão seco
umidecida de imaginação
fertilizada de poesia
Uma palavra
aluzinante
sensivida
miraculada
pecaminhante
Preciso dormir
Vão pensar que já estou
no inconsciente
Pensar não dá medida ao poema
O corredor é cinza
O fundo é branco
As cores ficam marinando
à espera do artista
Aprendi selando o suco da carne
E lendo os poetas
Apago as luzes do quarto
Acendo e ascendo o poema
Aceno longe no deserto úmido.