Girassol, nem pensar

Ser poeta traz uma série de vantagens.

A gente pode escrever bobagens

que muitos terão certeza que são bobagens,

mas dirão que não têm nada de bobagem

pra não pensarem que não entenderam

as bobagens escritas.

Podemos errar na digitação à vontade

porque pensarão que é erro proposital,

coisa de artista.

Podemos ser totalmente incoerentes,

contraditórios, infames até,

que vão pensar que foi a forma escolhida

pra expressar nossa ideia, nossa emoção.

Podemos atacar quem bem entendermos

azucrinar quem nos der na telha

botar no chão quem acharmos que é lá que deve ficar.

Poeta é ser livre,

tem salvo-conduto pra metralhar quem bem entender,

tem álibi pra justificar as porradas que der a granel.

Podemos até falar de Deus sem respeito, nem cerimônia,

sem a menor distinção.

Podemos retratar Deus como quisermos,

que ninguém vai chiar, já que somos poetas

e portanto podemos tudo, tudo mesmo.

Só tem uma coisa que nos é vedado,

por hipótese nenhuma podemos chegar perto,

qualquer menção, sugestão, insinuação

é sujeita à pena de morte sumária,

sem direito à julgamento, apelação ou qualquer atenuante.

Não podemos falar dos girassóis.

Se tivermos a petulância de tocar neste assunto,

por mais sutil ou inocente que seja,

estamos ferrados.

Não vai sobrar pó pra contar história.

No resto das coisas, podemos deitar e rolar.

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