Porvir

Escrevo para marcar

o que acontece

e o que não acontece.

A própria escrita é um acontecimento.

Um corte na existência.

Uma violência.

Um presente que se inscreve

na memória.

Escrevo a memória.

Na memória.

Não para a memória.

A fixação do fim

elide o princípio.

Escrevo por princípio.

Um fim em si.

Uma herança.

Escolhida e plantada.

Acolhida e lançada.

Sinto e pressinto.

Vejo o invisível.

Toco o intocável.

Inalo o ar de dentro.

Ouço a música

antes da palavra.

A palavra assalta a minha nudez.

A escrita habita em mim.

E me transgride.

A poesia é.

Desloca a mim

e ao mundo.

E o porvir se põe

desde já,

no rastro.