Talvez hoje... talvez amanhã

o tempo cisma e medita a manhã

que apagará a madrugada inconclusa,

as palavras interditas,

cheias de areia e de mar...

o ventre túrgido da noite ainda por se acabar

eu sinto a ausência doendo como uma seta em meu peito,

o coração pulsando antigas memórias

procurando na ânsia das distâncias

momentos do indeciso choro deste medo de ser só

nesta sempre imanente solidão humana e nestes ignaros destinos

que eram névoa flanando no vagaroso horizonte

que eram o canto dolente do vento

soprando silêncios na folhagem dos bosques

que eram tantas dúvidas

tantas vozes cativas

memórias sem rostos

tantos gestos a dizerem adeus

tantos abraços a dizerem saudades

todavia, ainda era amor

ainda a mesma insonte cantiga reverberando o passado

só esta mesma lembrança que dói ao me olhar em vão no espelho insolúvel

um só exilio me arrastando escondido,

envolto em si

há nesta vida a dor inerme dos desencontros

talvez a mão coerciva e inelutável do destino

trançada ao torvelinho do incomensurável lago do tempo

há na ausência e no desencontro esta nostalgia murmurante

enquanto o reencontro e as mãos enlaçadas mitigam saudades

há palavras e promessas e gestos esperando as mãos cheias de vertigens

mãos que embalam os sonhos e trazem folguedos, segredos e meiguices

trazem o momento no qual alguém dentro de mim depõe as armas

despe-se da sombra, e, desnudo,

sem nome,

chama-me qual um silêncio inocente

num tom murmurante e suave

e calado, soluço, mas não respondo

o longo suspiro indagando o denso medo

indagando o tempo agonizando na cicuta das horas

que apascenta o volátil aroma das madrugadas

o tempo ignoto das horas solitárias espera o reencontro

ressumando irremissíveis amores

nostálgicas amizades

talvez hoje...

talvez amanhã...

talvez nunca,

o amigo venha

e venha o amor

que a solidão burilou nesta morte inerte que é a ausência

e venham os olhos adornados pela lágrima

que teima em não se derramar nos brandos braços da melancolia

da eternidade impotente do exausto adeus

da imponderável volta

e na insofismável percepção de se estar vivo

engastado em tantas outras vidas

na vida do outro

e no sorriso de quem chega,

passos cansados,

molhados pelas chuvas cheias de sombras

colorindo as tardes com mentiras cinzentas

onde incriados poemas

fazem-se de inelutáveis esperas

e do oposto nu e dos cacos impiedosos da solidão

o mistério do encontro e a meiga alegria dos dialetos

esquecem-se em rondéis,

nos dias e nas noites em que se esteve só

e tudo se recria na inefável alegria,

na inaudita alegria

que soluça apaniguando a solidão e o sonho humano

e espera-me

entre/tantos des/encontros