Impossível

impossível

não abrir a noite

com os barcos tocando as areias das praias

e interrogando a tessitura das águas enlaçadas

aos ventos embriagados e inconsentidos

repetindo nas velas o escuro dos sons que incendeiam a noite

impossível

não abrir a noite

com o silêncio branco dos copos dos lírios

desabrochados para o momento

do luar perfumando os caminhos

e o sono das estrelas

impossível

não abrir a noite

com o balançar do céu refletido nas águas do mar

brandamente encanecido pela espuma das ondas

desenhadas lentamente do sal das lágrimas

de quem se pôs a chorar

impossível

não abrir a noite

com a inquietação da solidão do tempo

transido de trêmulas lembranças gesticulando

e caindo docemente sobre as horas azuladas

pela penumbra da lua que dança no quarto

impossível

não abrir a noite

com as folhas sem nome

que o outono derrubou mansamente

em inescrutáveis quintais

encobertos pela pervagante neblina

impossível

não abrir a noite

sem a imponderável serenidade dos teus olhos

sem o pássaro da noite que canta com a tua voz

e adormece em meu corpo

a saudade intrínseca dos teu abraços

impossível

não abrir a noite

sem o cansaço do fogo nu

do depois

e do suor faminto e perene

dos nossos corpos

e da canção compassada da tua ausência