Para chamar todos fantasmas à mesa

A palavra é bem mais do que amontoado de letras.

É ser vivo, dentro dela pulsa sangue,

pulsa alma, pulsa coração.

A palavra é capaz traduzir o que Deus pensa,

o que Deus nem imagina,

e até o que Deus esconde de si mesmo.

A palavra tem olhos de rapina,

para ver atrás dos olhos.

Tem ventre fértil,

para gerar sonhos, emoções, paixões.

Do seu ventre brota também

a dor, o podre, o nefasto, o que não era pra ter nascido.

Escrever faz entreter os ventos,

faz aninhar o universo, faz ter prazer sem ponto final.

Escrever chama todos nossos fantasmas à mesa,

faz o tempo ficar débil e atônito.

Escrever nos torna bicho, santo, pedra, pó,

nos revira do avesso numa alegoria sem adeus.

Escrever faz entender o que se passa

nos vãos das almas dos homens, dos bichos e de tudo mais.

Escrever é o sangue mais viril,

a água mais doce, o gosto mais cobiçado de todos.

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