Abatedouro
Noutros tempos, me sentiria dolorosamente solitária,
mas acontece
que sou eu quem decido.
Ainda assim, os patéticos masturbadores de rotinas sociais
continuam amando seus conselhos, comentários estapafúrdios, mentiras,
escusas falsas e conversas fiadas.
E eu olho como quem finge que vê,
eu ouço como quem finge que ouve,
mas vocês não entendem,
vocês não sabem nada.
Quando me olham só sabem ver noite,
um porre, uma mulher desgastada,
meias rasgadas, unhas quebradas,
cabelo armado, vestido surrado,
cigarro, vodka, barbitúricos, camomila,
olhos marejados, sorriso amargo,
uma louca, uma cigana, uma perdida.
Rio de tudo isso deitada no chão
olhando as estrelas.
Lá
um espelho escarlate me questiona insistentemente
quando foi que me tornei carne e abatedouro;
quando foi que caí de joelhos e optei por ficar de joelhos,
quando foi que em mim o silêncio constituiu morada de gritos.