Pássaros negros

agora que se vão

suavemente

os pássaros negros

levando na alma a essência da árvore

e a solidão de arcanos invernos

agora que os sonhos adormecidos

querem despertar

enchendo o ventre da noite de signos

sobem aos céus os perfumes

e a promessa de uma primavera

translúcida

em flores ressumando cores

com a brisa a soluçar pelos caminhos

a soluçar saudades inacessíveis

à espera de um sol

e de um poente entreaberto

vermelho e estilicidado

vertendo sobre a primavera

a ternura tranquila

e insonte de uma borboleta

ao longe sinos dobram no contorno

da noite que nos falseia a nos chamar pela alma

e retrocedendo nos mata de saudades e de ausências

entre o adormecer e os sonhos da derradeira loucura

e outras comiserações que a noite

subitamente

conta ao nos fazer chorar

a lágrima salgada dos anjos dolentes

a lágrima sagrada dos anjos silentes

terna e longa como o teu nome

e a lágrima dos rochedos quedos

e debruçados sobre o mar

de onde partem inumeráveis e exiladas velas

levando nos velames enfunados os rudimentos adocicados

de uma nova madrugada infrangível

por onde a luz se derrama

fazendo da noite a manhã macerada

onde a lua se desprende

afetuosa e branda

da essência do silencioso escuro se entreabrindo

e repousa

junto a última estrela

aninhada no céu

e imersa no momento das águas

molhando o gesto e o contorno dos portos

fazendo mover-se o raio de sol e o instante

que faz pulsar o coração embriagado do dia

acordando os barcos antes da tempestade

e os girassóis encharcados

do orvalho desatento

e dos segredos magoados pelo desleixo do vento