aos gladiadores do congresso

Café expresso

Excertos do livro Desfraldes

Dedico aos gladiadores do Congresso

Somos espelhos,

Quando olho seus gestos

Copiando os meus, vejo que

Estou copiando os seus...

A calma aparente

Entre paredes acinzenta

As mesas com toalhas

Quadriculadas,

As xícaras no aparador

Esperam... Esperando o nada

Acontecer aqui e lá fora...

A parede forrada de garrafas

Sujas, envelhecidas,

Deixa ver através dela

Novos gestos espelhados.

Somos todos vencedores

E perdedores na perdição

Nessas guerras de silêncios.

Somos aparadores

De xícaras que se movem,

Que levantam cedo

E trabalham... Se atrapalham...

Pegando o ônibus

Das quatro horas da manhã

E voltando à meia noite.

No meio da noite

Tomamos café e nos olhamos,

Fitamos nossos ombros cansados,

Nossos sapatos molhados,

Nossa roupa rota...

Então somos iguais?

Aparentemente, mas divagamos

Entre candidatos de esquerda

E de direita... Nenhum

Apontando à frente.

Então somos desiguais...

Diferentemente iguais

Perante a crise de desemprego,

De desescola, de dessaúde...

Amiúde nos encontramos

Nessas fomes que permeiam

Nossos gestos partidários...

E vemos que somos espelhos

Da mesma falta de governo,

Da mesma falta de futuro,

Das mesmas faltas... De passado!

Ele está calmo, olhando

Meus sapatos. Eu estou calmo,

Olhando os seus sapatos...

Ele toma o café amargo,

Essa é a pequena diferença,

O meu é adocicado.

Então nos cedemos à verdade:

-Estamos fudidos!!

Sua camisa vermelha me assombra,

Minha verde amarela alma

Assombra sua calma...

Nós lemos o mesmo jornal,

Mas nossas leituras são diversas,

Eu vejo canalhas de ambos os lados,

Ele se acanalha tentando

Justificar arroubos doutrinários.

Pode seja verdade

A sua expressão muda

Frente à realidade bruta...

Pode seja verdade

Meu sonho para o amanhã...

E, como ele, passo a ler velórios,

A ler esportes, classificados,

Para não ceder à ilusão

De que tudo esteja perdido.

Um cão vadio derruba o lixo,

Está mais certo que nós dois,

Menos faminto, mais saciado

Em sua fome sem dor.

Não vejo o céu claro esta manhã,

Mas o que importa?

Se todas as manhãs o sol

Virá conferir nossa revolta,

Nossa aquiescência ao mal,

Nosso despreparo para o lixo

Que este cão vasculha?

Assisto a todos os sermões

E não compreendo as razões

Desses religiosos cegos

Pela desatenção aos cleros,

Apenas repetindo salmos

Que não entenderam...

E vejo que hoje é o amanhã,

Feito do ontem reciclado,

Melhorado ou piorado,

Que importa?

Importa que a fome,

Via desemprego,

Bateu em mais portas

E ameaça fechar a fé

Em arruaças pelo saque

Aos grandes depositários...

Que importa o amanhã

Se hoje Inez é morta?!

Procuro, em vão, uma resposta

À indignação que me revolta:

Por que?! Porque somos tantos,

Tontos pela espera da esperança,

De tantos tempos tatuados

Em formas de amanhãs...

O hoje ontem foi vencido

Pelo conformismo...

Agora estamos consolando

O fim dessa manhã

Com café frio e moscas

E cães vadios e gatos perdidos,

E mendigos que perderam

O trem da noite vencida

E se amontoam nas portas

Fechada

O que será dessa imensidão

De fracos nas calçadas?

Procuro, nesse espelhamento,

Entre os lixos e sobras secas,

O que me apraz: Vidro?

Papel? Recicláveis?

O que será de nós nessa lixeira?

Seremos o lixo deles amanhã,

Seremos recicláveis amanhã?

Seremos podridos restos amanhã?

Procuro nesses olhares perdidos

Uma resposta: Quem seremos

Depois desse café Expresso,

Na pressa de encontrar

Nossos reflexos?!

Pode seja apenas sonho,

Ou pesadelo,

Mas é real o que sinto e vejo

Sentirem nessas mesas

Ordenadas

Com suas toalhas quadriculadas

Dando a impressão de largas,

De maiores, de ancho rescaldo

Das noites passadas

Nessa manhã de solitudes

E nada... Nada poderá

Vencer nossa derrota

Frente à necessidade de respirar

Esse ar mofo das verdades...

Nada nos fará desistir,

Mas poderá nos fazer

Regredir ao nada!

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sergio donadio
Enviado por sergio donadio em 29/04/2016
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